sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

a dívida pública

Crise financeira ou sóciometabólica?

"Uma coisa a perceber sobre o nosso sistema bancário de reservas fracionárias
é que, como no jogo das cadeiras, enquanto a música estiver tocando,
não há perdedores [para quem estiver no jogo]"

 Andrew Gause, Historiador Monetário


Existem milhões de sites, vídeos, textos, artigos, livros, filmes, etc, etc...  que fornecem explicações sobre a crise financeira que todos testemunhamos, vivenciamos e somos vítimas. No entanto a grande maioria delas aborda somente seus efeitos e consequências, numa miríade de termos técnicos que nem mesmo economistas entendem. Falam de "controle da inflação" como se a mesma fosse um ente superior poderoso e intangível, e 'culpam' determinados setores da economia, ou crises em países alhures, pelas elevações e (raras) quedas nos preços. Nada poderia ser mais falacioso e maquiado.

Neste texto (que será dividido em vários posts), tentarei abordar o tema da denominada crise financeira. Um tema espinhoso, denso, controverso e polêmico. Mas que deve ser enfrentado, visto e re-visto, pois absorve todas as esferas de nossas vidas, quer queiramos ou não. Não me considero suficientemente capaz e competente para abordar de forma ampla e profunda este tema, mas temo que acumulei informações, dados e opiniões que são pertinentes e até mesmo reveladores. Buscarei portanto, neste espaço, organiza-las de forma coerente e concisa, "traduzindo" -- na medida da minha capacidade -- o "economês" para uma linguagem acessível aos leitores interessados.

Utilizarei de diversas fontes e referências, as quais, por comodidade, tomarei a liberdade de reunir somente no final, num post específico de referências. No entanto eu gostaria de chamar a atenção do leitor para uma referência em partucular (de onde algumas ilustrações deste texto são retiradas) - trata-se da do Cartoon animado Money as Debt produzido pelo artista e ativista Paul Grignon, que explica de forma didática e reveladora o funcionamento do sistema monetário atual([1]).

Neste post vamos abordar a denominada dívida pública.

Dívida Pública

Como vimos no post sobre as origens do dinheiro, o atual sistema monetáro somente é mantido mediante consentimento dos governos. Os governos criam leis de moeda legal para nos forçar a usar a moeda fiduciária nacional. E governos permitem que o crédito de bancos particulares sejam convertidos em moeda fiduciária, e criam leis para que as dívidas sejam pagas em moeda fiduciária, além de regulamentos para garantir o funcionamento e a credibilidade do sistema, sem revelar jamais ao público as origens do dinheiro...

Portanto, para o banqueiro, nosso contrato de empréstimo passa a ser dinheiro! Ao agrupar vários contratos do mesmo tipo num fundo em particular, aqueles empréstimos se tornam nota promissória, portátil, cambiável e negociável. Logo, representa uma forma válida de dinheiro.

[para o banco, dinheiro = dívidas]

No entanto, não são somente pessoas comuns que fazem dívidas. Governos também fazem dívidas, e são na verdade os detentores das maiores dívidas isoladas com os bancos públicos e privados, esta é a dívida federal, formada por títulos do tesouro, estados e municípios – e a soma das dívidas do governo e das dívidas das empresas e pessoas comuns resulta na chamada dívida pública total dos países.

A tabela abaixo mostra as maiores dívidas federais, em bilhões de dólares, para 30 países, em 2010.


[as 30 maiores dívidas federais em 2010, fonte: wikipedia]

Note que em valores absolutos o maior devedor é os Estadosunidos (14.59 trilhões), seguido do Japão (12.72 trilhões), Alemanha (2.72 trilhões), Itália (2.49 trilhões), França (2.22 trilhões), Inglaterra (1.82 trilhão), China (1.59 trilhão), e na sequência vem o Brasil (1.36 trilhão), como o oitavo maior devedor do mundo([2]).

A soma total das dívidas, reunindo 171 países, resulta em 50.51 trilhões de dólares. E a soma total dos PIBs, para os mesmos 171 países, resulta em 60.04 trilhões de dólares.

Portanto, a soma de dívidas federais corresponde a 84% dos PIBs dos países considerados.

Visto que os países detém economias e riquezas diferentes, uma forma de se ponderar isso é calcular a dívida em termos percentuais em relação ao PIB do país. Isto é mostrado na última coluna da tabela (e na penúltima coluna, o PIB de cada país). Em termos percentuais o Japão é o maior devedor. Sendo que os Estadosunidos já ultrapassou a marca de 100% do PIB comprometido com dívidas – grosso modo isso significa que somente se vender toda sua riqueza é que os Estadosunidos sanariam suas dívidas. Já o Japão, é um caso mais sério...

A figura abaixo mostra a situação mundial em termos de dívida federal percentual em relação ao PIB (os valores das legendas são limites máximos para definição das cores).


[dívida pública em 2010, como percentual do PIB (wikipedia)]


Pode-se verificar que, curiosamente, os maiores devedores são exatamente os países mais ricos, da Europa e da America do Norte... Enquanto que África, Ásia, Oceania e América do Sul (exceto por alguns casos isolados e pelo Brasil que já ultrapassou a marca de 65% do PIB). Isso tem muito a ver com a crise financeira que estes países vem enfrentando atualmente.

---

Porém, é triste informar, mas isso é só a ponta do iceberg...

Como dito, a dívida federal é composta pelos títulos do tesouro e dívidas estaduais e municipais. Porém a Dívida Pública Total de um país é composta da dívida federal e das dívidas assumidas pela população e corporações nas demais instituições financeiras, incluindo aí as dívidas contraídas em bancos comerciais, hipotécas, seguros, companias de financiamento e empréstimo, mercado de crédito e ações, etc.

Para facilitar a análise podemos classificar três grandes grupos na composição da dívida pública total:


  • Dívida Federal: Incluí títulos do tesouro e dívidas estaduais e municipais.

  • Dívida de Setores Não Financeiros: Incluí as corporações privadas, empresas de gestão e negócios em geral, além de fazendas e outros.

  • Dívida de Setores Financeiros: Incluí os bancos comerciais, as companias de seguro, hipotecas, financiadoras, fundos de investimento imobiliário, corretoras de investimento, etc.


Toda e qualquer operação financeira realizada é registrada em enormes bancos de dados das instituições e do governo, e presume-se que estes dados sejam periodicamente cruzados com o que é informado nas declarações de renda das pessoas e das empresas.

Alguns governos e bancos centrais compilam e organizam estes grandes volumes de dados, e disponibilizam para o público em websites governamentais, tais como o Federal Reserve (FED), dos Estadosunidos, o qual mantém um enorme acervo de informações a respeito, muito bem organizadas por setores da economia([3]).

Em vista da disponibilidade e facilidade de acesso à estas informações, e também devido à dimensão e importância da economia dos Estadosunidos, vamos analisar a composição atual da dívida pública todal deste país.

O gráfico abaixo mostra a composição da dívida pública total dos Estadosunidos, desde 1952 até 2011. Pode-se ver que a maior parcela corresponde às dívidas contraídas por setores não financeiros, o que incluí as grandes corporações.

[Composição da Dívida Pública Total dos Estadosunidos]

E ainda - fator alarmante - o valor total da dívida pública atual dos Estadosunidos atinge a impressinante cifra de 52.6 trilhões de dólares, o que supera em 2.6 trilhões a soma das dívidas federais somadas de todos os países do mundo! (como visto acima).

Portanto, os valores em moeda, depósitos e investimentos – o dinheiro tipo M3 - mostrados no post "exuberância irracional" sobre quanto dinheiro existe (valores que, nos Estadosunidos somam 14.2 trilhões de dólares, e no mundo somam 75 trillões), representam o dinheiro líquido "disponível" existente na economia num determinado instante, mesmo que sua liquidez nem sempre seja alta – ou seja, mesmo que recuperar este dinheiro nem sempre seja possível a curto prazo.

Já os valores da dívida pública total representam o dinheiro "expandido", aquele dinheiro que foi sendo criado do nada pelas instituições financeiras (bancos e afins), mediante contratos de empréstimo, emissão de títulos e outros, e que deverá ser pago no futuro, provavelmente pelas próximas gerações....


A maioria das pessoas pensa que seria muito bom para a economia se todas as dívidas fossem pagas. Isso é verdade do ponto de vista do indivíduo, que deve para o banco e quita sua dívida. Pois quando pagamos uma dívida nos sobra mais dinheiro para gastar. Logo imaginamos que se todos fizerem o mesmo, sobra mais dinheiro no mundo. Porém...


[o último pagamento! (PG MaD)]


A verdade é o contrário! Se todos pagarem suas dívidas, e ninguém mais se individar, todo o dinheiro do mundo sumiria por completo! Pois – como já vimos – o suprimento de dinheiro depende da constante renovação do crédito bancário.

Sem os empréstimos, o dinheiro desaparece...

[sem dívidas, o dinheiro some!(PG MaD)]

O pior é que os bancos somente "criam do nada" a quantidade emprestada, o chamado valor principal. Não criam o dinheiro para o pagamento dos juros! Pois então de onde vem o dinheiro necessário para o pagamento dos juros?

Para pagar os juros, quem empresta terá que recorrer ao suprimento geral de dinheiro do pais. Mas todo este dinheiro foi criado da mesma forma, ou seja, a partir de créditos bancários criados, a serem pagos com juros, além da quantia principal emprestada.

Em todo lugar a situação é a mesma, quem empresta, está lutando para conseguir pagar os juros e o empréstimo, usando para isso o dinheiro proveniente de um todo formado somente pela soma dos valores emprestados.

No entanto, a matemática é simples - é evidente que é impossível que todos paguem os valores principais emprestados e os juros, uma vez que não existe dinheiro suficiente para cobrir os juros! E para piorar, nos empréstimos a longo prazo, como hipotécas e dívidas do governo, os juros ultrapassam em muito o valor principal emprestado.

Para se manter a equação balanceada, ou alguém acaba pagando a conta...




[alguém vai pagar a conta!(PG MaD)]

Ou se "injeta" mais e mais dinheiro na economia! Adiando o pagamento para o futuro... E relegando às futuras gerações o enorme problema. E é exatamente isso que os governos fazem o tempo todo, ao contrair dívidas com os bancos.

Mas afinal, visto que arrecadam bilhões em impostos, por quê governos contraem tantas dívidas na forma de títulos do tesouro?

Pois bem, hoje em dia, em todos os países capitalistas do planeta, governos, grandes corporações e bancos formam um tripé sórdido que se auto mantém, e que consiste na base do sistema monetário atual.

Para compreender como este sistema pernicioso funciona devemos introduzir aqui o conceito de "ciclos econômicos".

Isso fica para o próximo post...


[1] [http://paulgrignon.netfirms.com/MoneyasDebt/index.htm] As ilustrações presentes no texto que forem provenientes dos cartoons de Paul Grignon conterão em sua legenda o seguinte acrônimo: (PG, MaD) de Paul Grignon, Money as Debt.
[2] uma bela contradição ao anúncio recente de ter ultrapassado a Inglaterra e assumido a posição da sexta maior economia do mundo...
[3] O banco de dados do FED pode ser acessado através de: [https://www.federalreserve.gov/datadownload/],  No Brasil, algumas informações podem ser obtidas no site: [http://www.bcb.gov.br/?DIVPUB]

Um comentário:

  1. Como que o dinheiro sumiria por completo se pagassem todas as dívidas?
    O dinheiro estaria com as pessoas, seja na forma física, seja em depósito bancário.
    O dinheiro veio primeiro que o banco, então a existência de empréstimo não é pré-requisito para a existência de dinheiro.

    ResponderExcluir