Crise financeira ou sócio-metabólica?
Na natureza da economia a moeda não é o dinheiro ... é a vida.
Vandana Shiva
Ativista Ambiental, Autor de:
"Earth Democracy: Justice, Sustainability and Peace", 2005
Existem milhões de sites, vídeos, textos, artigos, livros, filmes, etc, etc... que fornecem explicações sobre a crise financeira que todos testemunhamos, vivenciamos e somos vítimas. No entanto a grande maioria delas aborda somente seus efeitos e consequências, numa miríade de termos técnicos que nem mesmo economistas entendem. Falam de "controle da inflação" como se a mesma fosse um ente superior poderoso e intangível, e 'culpam' determinados setores da economia, ou crises em países alhures, pelas elevações e (raras) quedas nos preços. Nada poderia ser mais falacioso e maquiado.
Neste texto (que será dividido em vários posts), tentarei abordar o tema da denominada crise financeira. Um tema espinhoso, denso, controverso e polêmico. Mas que deve ser enfrentado, visto e re-visto, pois absorve todas as esferas de nossas vidas, quer queiramos ou não. Não me considero suficientemente capaz e competente para abordar de forma ampla e profunda este tema, mas temo que acumulei informações, dados e opiniões que são pertinentes e até mesmo reveladores. Buscarei portanto, neste espaço, organiza-las de forma coerente e concisa, "traduzindo" -- na medida da minha capacidade -- o "economês" para uma linguagem acessível aos leitores interessados.
Utilizarei de diversas fontes e referências, as quais, por comodidade, tomarei a liberdade de reunir somente no final, num post específico de referências. No entanto eu gostaria de chamar a atenção do leitor para uma referência em partucular (de onde algumas ilustrações deste texto são retiradas) - trata-se da do Cartoon animado Money as Debt produzido pelo artista e ativista Paul Grignon, que explica de forma didática e reveladora o funcionamento do sistema monetário atual([1]).
Inicio esta série de posts com um sobre um dos maiores mistérios da humanidade: qual é a origem do dinheiro?
De onde vem o Dinheiro?
Existem muitos grandes mistérios que nos cercam: a origem do Universo e da vida, a existência ou não de um Deus, dentre muitos e muitos outros. Porém, para todos estes grandes temas existe uma farta disponibilidade de informações, todas disponíveis e acessíveis - nas religiões e na ciência – para quem quiser ver e tirar suas próprias conclusões.
Porém, existe um grande mistério que permanece muito bem escondido: qual é a origem do dinheiro? Tal disciplina não consta na grade escolar de nenhum curso, e nunca foi tema central de nenhum filme de Hollywood, isso não é a toa...
[teoria monetária: não será estudado (PG MaD)]
A maioria das pessoas acredita que o dinheiro é emitido pelo governo, e imediatamente pensa em máquinas imprimindo cédulas em papel. Isso é verdade,...
... até certo ponto.
Aqueles pedaços de papel e metal que chamamos de dinheiro são impressos pela Casa da Moeda, mas a maior parte do dinheiro que circula diariamente na economia não vem da Casa da Moeda. É criado diariamente, na forma digital, em enormes quantias por instituições privadas, ou seja, pelos bancos.
A maioria das pessoas acredita que os bancos emprestam o dinheiro que foi depositado pelos correntistas. Porém isso não é verdade. O dinheiro que o banco empresta não vem dos lucros ou dos depósitos efetuados no banco, mas simplesmente da promessa daquele que emprestou de honrar com a dívida que fez com o banco. Quem empresta assina um contrato com o banco, no qual garante que vai pagar o empréstimo e os juros, senão perde a casa, o carro, ou outra coisa que ficou como garantia.
[os verdadeiros 'criadores' do dinheiro: os bancos
fonte: http://www.infiniteunknown.net/]
Mas afinal, de onde vem o dinheiro então? o que o contrato assinado pelo emprestador significa para o banco? Bem, o banco faz surgir do nada a quantia solicitada pelo emprestador, e a deposita na conta dele – simples assim! Parece um absurdo, mas é a verdade! E pior, neste ato –- ao assinar o contrato de empréstimo -- além da quantia solicitada, o banco adquire o direito legal de criar muito mais dinheiro... Para compreender como esta mágica é possível, vamos voltar um tanto na história e ver como tudo isso começou...
A História do Ourives
No passado qualquer coisa era usada como dinheiro na troca por comida, roupas, animais, etc, bastava ser compacto e portátil (um colar, conchas, pedras, um saco de sal, etc). Em certa altura, notou-se que ouro e prata eram atraentes e facilmente moldáveis. Foi aí que o ourives facilitou as coisas e passou a moldar moedas, em unidades padronizadas, com peso e pureza certificadoas.
Mas o ourives precisava de um local seguro para armazenar seu ouro. Construiu então um cofre e colocou guardas para vigiar.
[o ourives precisava de um local para guardar seu ouro (PG MaD)]
Logo os demais cidadãos batiam em sua porta pedindo um espaço em seu cofre para guardar seu ouro também. Em pouco tempo o cofre estava todo alugado e o ourives tinha uma nova fonte de renda.
Porém um belo dia o ourives fez uma observação muito esperta: os depositantes raramente retiravam seu ouro, e nunca compareceriam todos no mesmo dia. Isso porquê os recibos que o ourives assinava como garantia pelo ouro guardado estavam sendo negociados na feira como se fossem o próprio ouro. O dinheiro de papel era mais prático, o valor já vinha anotado – ao invés de contar moedas a cada compra.
E assim o esperto ourives inicia outro negócio: empréstimo de seu ouro a juros. Com a grande aceitação do dinheiro de papel as pessoas passam a solicitar empréstimo em papel no lugar do ouro em sí, e com a expansão da indústria, a partir da revolução industrial e dos processos de colonização, a procura por empréstimos aumenta enormemente.
Assim o ourives teve mais uma grande idéia: já que pouquíssimos depositantes vinham retirar seu ouro, ele passou a emitir empréstimos usando não somente o ouro dele, mas usando também o ouro alheio, ou de seus depositantes. Contanto que os empréstimos fossem pagos ninguém perceberia a diferença. O ourives (nesta altura mais banqueiro que artesão) passa a ter lucros ainda maiores emprestado o ouro dos outros.
Por muito tempo os depositantes não notaram que seus depósitos eram usados dessa forma. O ourives fica muito rico e começa a exibir sua riqueza em público o que causa grande suspeita nas pessoas de que ele estava gastando o dinheiro que haviam depositado em seu cofre. Todos se reúnem e vão até a casa do ourives exigindo que fale a verdade e mostre o ouro guardado. Apesar do jogo duplo do ourives, isso não foi um problema para ele, visto que os depositantes não tinham perdido nada, o ouro depositado continuava dentro do cofre.
[o ouro continuava alí! (PG MaD)]
Confirmado que todo o ouro continuava dentro do cofre, os depositantes decidem manter o ouro lá e exigem então do ourives um percentual do lucro obtido por ele sobre os empréstimos, e assim, nasce o banco, que paga um juro baixo sobre os depósitos recebidos e emprestava os mesmos depósitos a juros mais altos. A diferença pagaria os custos operacionais e o lucro do –- agora não mais ourives, mas –- banqueiro. Mas não é assim que funcionam os bancos hoje em dia...
O banqueiro não se contentava com o que lhe sobrava depois de dividir o lucro com os depositantes e teve mais uma grande idéia. Com a onda de conquistas pelo mundo, cresce a cada dia a necessidade de mais e mais crédito porém, os empréstimos que ele poderia ceder eram limitados pela quantidade de ouro que ele tinha no cofre. Porém, pensa o esperto banqueiro, visto que somente ele sabia quanto ouro tinha no cofre, ele poderia emprestar o ouro que não existia, e obter lucros muito maiores. Contanto que os credores não comparecessem todos ao mesmo tempo para buscar o ouro, ninguém iria desconfiar.
E a idéia funciona fabulosamente! O banqueiro fica riquíssimo e, apesar de alguns "panicos" e algumas "corridas ao banco" que causaram a falência e a ruína de alguns bancos, seu método de criar dinheiro do nada acaba se consolidando, em função dos acirramentos mercantilistas das nações imperialistas da época -- que ficam reféns dos grandes créditos oferecidos pelos banqueiros -- para financiar sua corrida expansionista colonizadora, e posteriormente para financiamento das diferentes guerras – civis ou não – travadas entre e dentre as nações.
A matéria prima da revolução industrial
Apesar de a origem do colonizador ser espanhola, portuguesa, holandesa, francesa ou inglesa, e de haver maior ou menor presença indígena ou negra na população --- em todas as colonias se edificaram sociedades constituídas para servir de alimento, matéria prima e "matéria humana", a partir das atrocidades do regime escravo... em primeiro lugar para a acumulação mercantil, e depois para as fornalhas da Revolução Industrial Inglesa. De fato, os processos de colonização representaram a primeira grande fonte de expropriação e acúmulo de riquezas institucionalizada e mundializada, além de ser a primeira forma "global" de opressão.
[Os grandes líderes imperialistas definindo a partilha de suas colônias]
Este incalculável e abismal salto material proporcionado pelas colônias estimulou, facilitou e, principalmente, custeou o desenvolvimento industrial subsequente, e também propiciou, direta ou indiretamente, tanto a Revolução Americana de 1776, quanto a famosa Revolução Francesa de 1789 – esta mais burguesa do que a americana. No entanto, para na doutrina dos economistas liberais da época, pouco importava a situação daqueles povos, sua etnia, idioma, cultura, história, hábitos e crenças. O importante era "utilizar adequadamente os seus recursos naturais", para os quais o acesso era praticamente livre aos evoluídos capitalistas, para se extrair tanto quanto possível, no menor tempo possível, lucrando o máximo possível.
Segundo Roberto Simonsen, em "História Econômica do Brasil" [Simonsen, 1937], somente no Brasil, a garimpagem de ouro na então colônia portuguesa extraiu, entre 1691 até 1800, um total de 855 mil quilos de ouro. E ainda, durante mais de 300 anos foram enviados à metrópole: minérios, madeira, pedras preciosas, impostos, e toda sorte de riquezas. Some-se a isso tudo que foi "sangrado" das demais colônias na América do Sul, África, América do Norte, Ásia e Oceania.
Dinheiro como dívida
Entrementes, o sistema monetário-financeiro dos bancos vai se consolidando e a prática de criar dinheiro do nada acaba sendo legalizada e regulamentada. Os banqueiros aceitam obedecer limites para a criação do dinheiro fictício, mas o limite continua sendo muito acima do ouro e prata real existente nos cofres dos bancos. Geralmente a proporção era de $9 fictícios para $1 verdadeiro, ou seja, o banqueiro deveria manter em suas reservas $1 em ouro para cada $9 emprestados, ou, para cada $1 em ouro mantido no cofre (reserva), o banqueiro tinha o direito de criar mais $9 do nada, e disponibilizá-los para empréstimo, à juros, para outros interessados. Um banco central prestaria socorro, enviando ouro para os bancos locais no caso de uma corrida generalizada aos bancos.
[sistema de reserva fracionária (PG MaD)]
Com o tempo, o sistema de reserva fracionada, com uma rede integrada de bancos protegidos por um banco central tornou-se o sistema monetário predominante no mundo todo. Ao mesmo tempo, a fração de ouro dada como garantia – ou a reserva – acaba reduzida a ... nada.
Hoje me dia, o sistema monetário e bancário ainda se baseia no princípio do sistema de reserva fracionária de 500 anos atrás, no entanto, a natureza essencial do dinheiro mudou. No passado, uma nota de um dólar por exemplo trazia impressa a promessa de que poderia ser resgatada no banco por seu peso equivalente em prata (ou ouro). Hoje em dia o crédito criado por bancos particulares ao emprestar dinheiro é legalmente convertido em moeda fiduciária([2]) emitida pelo governo.
[um dólar antes...]
[um dólar hoje]
Portanto, hoje não existe mais nenhum "lastro" formal físico (ouro ou prata) que garanta a validade daquele dinheiro. Não existe um "cofre cheio de ouro" mantido pelo governo que garanta a validade do dinheiro. O que existe é somente a promessa declarada de que devedores honrarão com suas dívidas – só isso...
O dinheiro é criado no ato do empréstimo! Portanto, não é exagero afirmar que, hoje em dia, dinheiro, nada mais é do que dívida!
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[1] [http://paulgrignon.netfirms.com/MoneyasDebt/index.htm] As ilustrações presentes no texto que forem provenientes dos cartoons de Paul Grignon conterão em sua legenda o seguinte acrônimo: (PG, MaD) de Paul Grignon, Money as Debt.
[2] Moeda fiduciária é a moeda, criada por decreto governamental, que circula na confiança dos bancos (fidúcia = confiança). É constituida principalmente por títulos de crédito, ordens de pagamentos, cheques, entre outros.
é por isso que a população está cada fez escravizada ! A américa está condenado por causa do FED, que tem o poder de emissão da moeda americana, inundando a economia mundial de dólares "fakes", inflacionando o mercado ao longo dos anos, com isso população perde seu poder de compra e fica cada vez mais pobre !!
ResponderExcluirFalamos disso e muitos outros assuntos interessantes em :
ResponderExcluirhttp://br.advfn.com/forum/ibov/9983810/1889