sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Mendicância não é mais crime!






Câmara aprova fim dos crimes de vadiagem e mendicância

O Plenário aprovou em votação simbólica o Projeto de Lei 4668/04, do ex-deputado José Eduardo Cardozo, atual ministro da Justiça, que retira da Lei de Contravenções Penais (Decreto-Lei 3.688/41) os crimes de vadiagem e mendicância.
Extraído de: Câmara dos Deputados
08 de Agosto de 2012

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Antes era assim:

Mendicância:

s.f. Circunstância ou situação de quem mendiga - vida de mendigo, pobreza ou miséria. (Etm. do latim: (Etm. do latim: mendicitas.atis). Ato de pedir, publicamente, com habitualidade, esmolas ou auxílio de qualquer natureza, a pretexto de pobreza ou necessidade. Indigência. Se exercida por ociosidade ou cupidez é contravenção penal, apenada com prisão simples de 15 dias a 3 meses.

Vadiagem:

s.f. Vida de vadio; malandragem. Bras. Direito Contravenção penal que consiste em uma pessoa levar vida ociosa, sendo válida para o trabalho e não possuindo renda própria.

    
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Finalmente estamos livres daquele sentimento incômodo e chato que carregamos ao passar ao lado dos – agora livres e respeitáveis - mendigos deitados nas calçadas e sarjetas. Afinal eles não são mais marginais!

Não temos mais peso de consciência!

Ufa!

Podemos finalmente tranqüilizar nossa mente - agora, definitivamente, a mendicância e a vadiagem são práticas legalizadas.

O pai de família desempregado há meses pode transitar tranqüilo pelos faróis das grandes cidades pedindo uma moedinha. A mãe, abandonada pelo marido, pode sair pelas ruas com seus direitos garantidos e assegurados, a pedir um prato de comida ou um litro de leite pros cinco filhos pequenos. Agora podemos olhar para o pedinte como um trabalhador digno - merecedor da nossa esmola - e finalmente livre para mendigar a vontade.

O que no Brasil já era invisível aos olhos urbanos fica agora definitivamente incorporado e estabelecido, com o amparo da lei.

Sinais dos tempos, idos e vindos.

E viva a vadiagem!

quinta-feira, 7 de junho de 2012

gigantes digitais

Como nossos dados pessoais enriquecem gigantes digitais

 

 

 

Texto publicado no site da revista Carta Capital.

 Facebook e Google se apoiam quase no mesmo modelo econômico: quanto mais se sabe sobre os gostos e inclinações dos usuários, mais dinheiro pode-se fazer com esses dados sem que o usuário tenha dado sua permissão para tanto. É neste contexto que a associação Internet sem Fronteiras propõe a criação de um e-sindicato para defender os direitos dos usuários do Facebook e de outros gigantes digitais que espiam cada um de nossos clics para convertê-los em ouro. O artigo é de Eduardo Febbro.

Paris - Qual é o terceiro país do mundo em população e o que mais espia seus cidadãos? A resposta cabe em um território virtual: Facebook. Com seus 900 milhões de usuários registrados, se o Facebook fosse um país seria o terceiro do mundo, logo depois da China (1,34 bilhões) e da Índia (1.17 bilhões de habitantes). Esta demografia virtual faz do Facebook um território de participação voluntária no qual os usuários entregam sua intimidade com toda inocência sem ter plena consciência do quanto estão se expondo nem do gigantesco capital que os usuários estão aportando à empresa fundada por Marc Zuckerberg.

Criado há apenas oito anos, o Facebook tem um valor estimado em Bolsa de 104 bilhões de dólares. É maior que a Amazon (98 bilhões), vale quase três vezes mais que a Ford Motors (38 bilhões de dólares), mas menos que o Google (203 bilhões) e a Apple (495 bilhões).

Do mesmo modo que Google e outros gigantes da rede, Facebook deixou de ser a simpática “startup” criada no campus de Harvard. É um predador de dados, um aspirador universal de publicidade, um autêntico serviço de inteligência que se serve de cada informação deixada pelos usuários para fazer dinheiro com ela.

Todas as cifras relacionadas ao Facebook são imperiais: com 169 milhões de usuários, os Estados Unidos contam com o maior número de membros. Em segundo lugar vem a Índia com 51 milhões, o Brasil com 45 milhões e o México com 20. Mais de 300 milhões de fotos são publicadas a cada dia no Facebook e cerca de 500 milhões de pessoas acessam a rede social utilizando dispositivos móveis. No entanto, o qualificativo de “rede social” está longe de coincidir com a realidade. Como observa Archippe Yepmou, presidente da associação Internet sem fronteiras (ISF) (
www.internetsansfrontieres.com), o valor do Facebook na bolsa “repousa no abuso de nosso direito ao controle de nossos dados pessoais”.

O peso do Facebook é proporcional ao grau de intimidade que revelamos com nossas conexões. Facebook e Google se apoiam quase no mesmo modelo econômico: quanto mais se sabe sobre os gostos e inclinações dos usuários, mais dinheiro pode-se fazer com esses dados sem que o usuário tenha dado sua permissão para tanto. É neste contexto que a associação Internet sem Fronteiras propõe a criação de um e-sindicato, com o objetivo de defender os direitos dos usuários do Facebook e de outros mastodontes digitais que espiam cada um de nossos clics para convertê-los em ouro.

Antonin Moulart, membro da associação, diz que “a ideia de um sindicato eletrônico aponta para o estabelecimento de uma relação de força com a empresa do senhor Zuckerberg para que ele entenda que temos direito a decidir sobre nossas informações pessoais”. O paradoxo Facebook é imenso: tornou-se uma ferramenta de intercâmbio com alcance planetário, mas sua aparente inocência atrai adeptos que prestam voluntariamente a uma violação impensável de sua vida privada.

Archippe Yepmou revela, por exemplo, que “nossas agendas são scaneadas pelo Facebooh através do nosso telefone celular e de nosso correio eletrônico. A empresa procede também a uma identificação biométrica que permite ao Facebook reconhecer logos e rostos das fotos sem que o contribuinte tenha dado sua autorização explícita para isso. A ideia do e-sindicato quer impor um mediador entre as pessoas e esse roubo da intimidade. A solução mais simples seria não se inscrever no Facebook, mas sua necessidade, real ou imaginária, já é um fato consumado. Neste sentido, a associação Internet sem Fronteiras reconhece que “a posição monopólica do Facebook fez da empresa um espaço de socialização obrigatório para toda ou uma parte da população”. Ingressamos neste espaço virtual-social como ovelhas pacíficas enquanto o lobo estava à espreita.

Reparar o erro requer uma consciência universal do valor estratégico e comercial de nossos dados pessoais assim como de nosso direito de nos opor a que sejam comercializados. Mas essa consciência está longe, muito longe de ter sido formada. A capitalização dos dados pessoais está perfeitamente quantificada no valor do Facebook. Não são suas máquinas ou seu programa a fonte de sua riqueza, mas sim nossa intimidade. O ingresso do Facebook na bolsa inaugura outra fase perigosa: “o modelo econômico da empresa baseado na exploração comercial da vida privada vai empurrar o Facebook em outra direção ainda mais intrusiva e ameaçadora da liberdade”, diz a ISF. O Facebook é um autêntico estômago de dados cujo destino, em grande parte, desconhecemos.

O contra-poder frente o Facebook e outros sugadores de dados planetários existe: é, por enquanto, tímido, mas real. Eletronic Frontier Foundation, Internet sem Fronteiras, a muito oficial CNIL (Comissão Nacional de Informática e Liberdades, da França), o Controlador Europeu de Proteção de Dados (CEPD), o Europa versus Facebook, são alguns dos organismos oficiais ou não governamentais que discutem a maneira de construir um muro legal entre os cidadãos e empresas como Facebook ou Google, que lucram com nossa vida. Serão necessários, porém, muitos anos para que os usuários passem à ação e tomem consciência dos níveis de exposição a que estão submetidos quando, sem nenhuma garantia de privacidade, sobem uma foto, manifestam um gosto musical ou a preferência por uma ou outra marca.

Tradução: Katarina Peixoto

segunda-feira, 19 de março de 2012

comodificação


Segue neste post uma seleta com partes do primeiro capítulo [Introdução] do livro Vida Para Consumo – A Transformação das Pessoas em Mercadoria, de Zygmunt Bauman, de 2007.





VIDA PARA CONSUMO

O segredo mais bem guardado da sociedade de consumidores

Talvez não exista pior privação, pior carência, que a dos perdedores na luta simbólica por reconhecimento, por acesso a uma existência socialmente reconhecida, em suma, por humanidade.
Pierre Bourdieu, Meditações pascalianas

Consideremos três casos, escolhidos de maneira aleatória, dos hábitos altamente mutáveis de nossa sociedade cada vez mais “plugada”, ou, para ser mais preciso, sem fio.

Caso 1. Em 2 de março de 2006, o Guardian anunciou que “nos
12 últimos meses as ‘redes sociais’ deixaram de ser o próximo grande sucesso para se transformarem no sucesso do momento”. As visitas ao site MySpace, que um ano antes era o líder inconteste do novo veículo das “redes sociais”, multiplicaram-se por seis, enquanto o site rival Spaces.MSN teve 11 vezes mais acessos do que no ano anterior, e as visitas ao Bebo.com foram multiplicadas por 61.

Um crescimento de fato impressionante – ainda que o surpreendente sucesso do Bebo, recém-chegado à internet na época da reportagem, possa se revelar fogo de palha: como adverte um especialista nos modismos da internet, “pelo menos 40% dos dez mais acessados este ano não serão nada daqui a um ano”. “Lançar um novo site de rede social”, explica ele, é “como abrir o mais novo bar em uma área nobre” (só por ser o mais novo, uma casa brilhando de tão nova ou recém-reformada e reaberta, esse bar atrairia uma multidão “até que murchasse, o que aconteceria com tanta certeza quanto a chegada da ressaca no dia seguinte”, passando seus poderes magnéticos ao “próximo mais novo” na eterna corrida para ser “o point mais quente”, o último “assunto do momento”, o lugar onde “todo mundo que é alguém precisa ser visto”).

Uma vez que finquem seus pés numa escola ou numa comunidade, seja ela física ou eletrônica, os sites de “rede social” se espalham à velocidade de uma “infecção virulenta ao extremo”. Com muita rapidez, deixaram de ser apenas uma opção entre muitas para se tornarem o endereço default de um número crescente de jovens, homens e mulheres. Obviamente, os inventores e promotores das redes eletrônicas tocaram uma corda sensível – ou num nervo exposto e tenso que há muito esperava o tipo certo de estímulo. Eles podem ter motivos para se vangloriar de terem satisfeito uma necessidade real, generalizada e urgente. E qual seria ela? “No cerne das redes sociais está o intercâmbio de informações pessoais.” Os usuários fi cam felizes por “revelarem detalhes íntimos de suas vidas pessoais”, “fornecerem informações precisas” e “compartilharem fotografias”. Estima-se que 61% dos adolescentes britânicos com idades entre 13 e 17 anos “têm um perfil pessoal num site de rede” que possibilite “relacionar - se on-line”.

Na Grã-Bretanha, lugar em que o uso popular de recursos eletrônicos de ponta está ciberanos atrás do Extremo Oriente, os usuários ainda podem acreditar que as “redes sociais” expressam sua liberdade de escolha, e mesmo que constituam uma forma de rebeldia e auto-afirmação juvenil (suposição tornada ainda mais verossímil pelos sinais de pânico que o ardor sem precedentes, induzido pela web e a ela dirigido, desencadeia a cada dia entre seus pais e professores, e pelas reações nervosas dos diretores que interditam o acesso ao Bebo e similares a partir dos computadores de suas escolas). Mas na Coréia do Sul, por exemplo, onde grande porção da vida social já é, como parte da rotina, mediada eletronicamente (ou melhor, onde a vida social já se transformou em vida eletrônica ou cibervida, e a maior parte dela se passa na companhia de um computador, um iPod ou um celular, e apenas secundariamente ao lado de seres de carne e osso), é óbvio para os jovens que eles não têm sequer uma pitada de escolha. Onde eles vivem, levar a vida social eletronicamente mediada não é mais uma opção, mas uma necessidade do tipo “pegar ou largar”. A “morte social” está à espreita dos poucos que ainda não se integraram ao Cyworld, líder sul-coreano no cibermercado da
“cultura mostre e diga”. [a]

Seria um erro grave, contudo, supor que o impulso que leva
à exibição pública do “eu interior” e a disposição de satisfazer esse impulso sejam manifestações de um vício/anseio singular, puramente geracional e relacionado aos adolescentes, por natureza ávidos, como tendem a ser, para colocar um pé na “rede” (termo que está rapidamente substituindo “sociedade”, tanto no discurso das ciências sociais quanto na linguagem popular) e lá permanecer, embora sem muita certeza quanto à melhor maneira de atingir tal objetivo. O novo pendor pela confissão pública não pode ser explicado por fatores “específicos da idade” – não só por eles. Eugène Enriquez resumiu a mensagem que se pode extrair das crescentes evidências coletadas em todos os setores do mundo líquido-moderno dos consumidores:

Desde que não se esqueça que o que antes era invisível – a parcela de intimidade, a vida interior de cada pessoa – agora deve ser exposto no palco público (principalmente nas telas de TV, mas também na ribalta literária), vai-se compreender que aqueles que zelam por sua invisibilidade tendem a ser rejeitados, colocados de lado ou considerados suspeitos de um crime. A nudez física, social e psíquica está na ordem do dia.

Os adolescentes equipados com confessionários eletrônicos
portáteis são apenas aprendizes treinando e treinados na arte de viver numa sociedade confessional – uma sociedade notória por eliminar a fronteira que antes separava o privado e o público, por transformar o ato de expor publicamente o privado numa virtude e num dever públicos, e por afastar da comunicação pública qualquer coisa que resista a ser reduzida a confidências privadas, assim como aqueles que se recusam a confidenciá-las. Como Jim Gamble, diretor de uma agência de monitoramento de rede, admitiu ao Guardian, “ela representa tudo aquilo que se vê no playground – a única diferença é que nesse playground não há professores, policiais ou moderadores que ficam de olho no que se passa”.

Caso 2. No mesmo dia, embora numa página bem diferente e sem conexão temática, organizada por outro editor, o Guardian informava ao leitor que “sistemas informáticos estão sendo usados para rejeitá-lo de maneira mais eficaz, dependendo de seu valor para a companhia para a qual você está ligando”. Ou seja, tais sistemas possibilitam que sejam armazenados os registros dos clientes, classifi cando-os a partir de “1”, os clientes de primeira classe que devem ser atendidos no exato momento da ligação e prontamente remetidos a um agente sênior, até “3” (os que “vivem no charco”, como foram classificados no jargão da empresa), a serem colocados no final da fila – e, quando afinal são atendidos, conectados a um agente de baixo escalão.

Assim como no Caso 1, dificilmente seria possível culpar a tecnologia pela nova prática. O novo e refinado software veio para ajudar os administradores que já tinham a imensa necessidade de classificar o crescente exército de clientes ao telefone para que fosse possível executar as práticas divisórias e exclusivistas que já estavam em operação, mas que até o momento eram realizadas com a ajuda de ferramentas primitivas – produtos do tipo “faça-você-mesmo”, feitos em casa ou por uma indústria doméstica, que exigiam mais tempo e eram, é evidente, menos eficazes. Como assinalou o porta-voz de uma das companhias fornecedoras desses sistemas, “a tecnologia só faz pegar os processos em operação e torná-los mais eficientes” – o que significa de maneira instantânea e automática, poupando os empregados da incômoda tarefa de coletar informações, estudar registros, fazer avaliações e tomar decisões distintas a cada chamada, assim como a responsabilidade pelas conseqüências decorrentes. O que, na ausência do equipamento técnico adequado, eles teriam de avaliar forçando o próprio cérebro e gastando grande parte do precioso tempo da companhia é a rentabilidade potencial do cliente para a empresa: o volume de dinheiro ou crédito à disposição do cliente e sua disponibilidade de se desfazer desse capital. “As empresas precisam identifi car os clientes menos valiosos”,
explica outro executivo. Em outras palavras, elas necessitam de uma espécie de “vigilância negativa”, ao estilo do Big Brother de Orwell ou do tipo panóptico, uma geringonça semelhante a uma peneira que basicamente executa a tarefa de desviar os indesejáveis e manter na linha os clientes habituais – reapresentada como o efeito final de uma limpeza bem-feita. Elas precisam de uma forma para alimentar o banco de dados com o tipo de informação capaz, acima de tudo, de rejeitar os “consumidores falhos” – essas ervas daninhas do jardim do consumo, pessoas sem dinheiro, cartões de crédito e/ou entusiasmo por compras, e imunes aos afagos do marketing. Assim, como resultado da seleção negativa, só jogadores ávidos e ricos teriam a permissão de
permanecer no jogo do consumo.

Caso 3. Poucos dias depois, outro editor, em outra página, informava aos leitores que Charles Clarke, ministro britânico do Interior, havia anunciado um novo sistema de imigração, “baseado em pontuações”, destinado a “atrair os melhores e mais inteligentes”5 e, é claro, repelir e manter afastados todos os demais, ainda que essa parte da declaração de Clarke fosse difícil de detectar na versão apresentada no comunicado à imprensa – totalmente omitida ou relegada às letras miúdas. A quem deve atrair o novo sistema? Aqueles com mais dinheiro para investir e mais habilidades para ganhá-lo. “Isso vai nos permitir assegurar”, disse o ministro do Interior, que “só venham para o Reino Unido as pessoas dotadas das habilidades de que o país necessita, evitando, ao mesmo tempo, que os destituídos dessas habilidades secandidatem.” E como vai funcionar esse sistema? Por exemplo:
Kay, uma jovem da Nova Zelândia, com diploma de mestrado,
mas com um emprego humilde e muito mal pago, não conseguiu
atingir os 75 pontos que a habilitariam a requerer a imigração. Precisaria, em primeiro lugar, obter uma oferta de emprego de uma empresa britânica, o que então seria registrado em seu favor, como prova de que suas habilidades são do tipo “que o país necessita”.

Charles Clarke não é o primeiro a aplicar à seleção de seres humanos a regra do mercado de escolher o melhor produto da prateleira. Como assinalou Nicolas Sarkozy, ex-ministro do Interior e atual presidente francês, “a imigração seletiva é praticada por quase todas as democracias do mundo”. E ele prosseguiu exigindo que “a França seja capaz de escolher seus imigrantes segundo nossas necessidades”.

Três casos apresentados em três diferentes seções do jornal e supostamente pertencentes a domínios da vida muito distintos, cada qual governado por seu próprio conjunto de regras, supervisionado e administrado por agências mutuamente independentes. Casos que parecem tão dessemelhantes, que dizem respeito a pessoas com origens, idades e interesses amplamente diversos, confrontadas com desafios bastante variados e lutando para resolver problemas muito diferentes. Pode-se indagar: haveria alguma razão para colocá-las lado a lado e considerá-las como espécimes de uma mesma categoria? A resposta é sim, há uma razão, e muito poderosa, para conectá-las.

Os colegiais de ambos os sexos que expõem suas qualidades com avidez e entusiasmo na esperança de atrair a atenção para eles e, quem sabe, obter o reconhecimento e a aprovação exigidos para permanecer no jogo da sociabilidade; os clientes potenciais com necessidade de ampliar seus registros de gastos e limites de crédito para obter um serviço melhor; os pretensos imigrantes lutando para acumular pontuação, como prova da existência de uma demanda por seus serviços, para que seus requerimentos sejam levados em consideração – todas as três categorias de pessoas, aparentemente tão distintas, são aliciadas, estimuladas ou forçadas a promover uma mercadoria atraente e desejável. Para tanto, fazem o máximo possível e usam os melhores recursos que têm à disposição para aumentar o valor de mercado dos produtos que estão vendendo. E os produtos que são encorajadas a colocar no mercado, promover e vender são elas mesmas. São, ao mesmo tempo, os promotores das mercadorias e as mercadorias que promovem.

São, simultaneamente, o produto e seus agentes de marketing, os bens e seus vendedores (e permitam-me acrescentar que qualquer acadêmico que já se inscreveu para um emprego como docente ou para receber fundos de pesquisa vai reconhecer suas próprias dificuldades nessa experiência).  Seja lá qual for o nicho em que possam ser encaixados pelos construtores de tabelas estatísticas, todos habitam o mesmo espaço social conhecido como mercado. Não importa a rubrica sob a qual sejam classificados por arquivistas do governo ou jornalistas investigativos, a atividade em que todos estão engajados (por escolha, necessidade ou, o que é mais comum, ambas) é o marketing. O teste em que precisam passar para obter os prêmios sociais que ambicionam exige que remodelem a si mesmos como mercadorias, ou seja, como produtos que são capazes de bter tenção e atrair demanda e fregueses.

Siegfried Kracauer foi um pensador dotado da estranha capacidade e distinguir os contornos quase invisíveis e incipientes e tendências indicativas do futuro ainda perdidos numa massa disforme de modismos e idiossincrasias passageiros. Ainda no final da década de 1920, quando a iminente transformação da sociedade de produtores em sociedade de consumidores estava um estágio embrionário ou, na melhor das hipóteses, incipiente, portanto passava despercebida a observadores menos atentos perspicazes, ele havia notado que

a corrida aos inúmeros salões de beleza nasce, em parte, de e ocupações existenciais, e o uso de cosméticos nem sempre é um luxo. Por medo de caírem em desuso como obsoletos, senhoras e cavalheiros tingem o cabelo, enquanto quarentões praticam esportes ara se manterem esguios. “Como posso ficar bela?”, indaga o título e um folheto recém-lançado no mercado; os anúncios de jornal dizem que ele apresenta maneiras de “permanecer jovem e bonita agora e para sempre”.

Os hábitos emergentes que Kracauer registrou na década de
1920 como uma curiosidade berlinense digna de nota avançaram e se espalharam como fogo numa floresta, até se transformarem em rotina diária (ou pelo menos num sonho) por todo o planeta. Oitenta anos depois, Germaine Greer observava que “mesmo nos rincões mais distantes do noroeste da China, as mulheres deixavam de lado seus pijamas em favor de sutiãs acolchoados e saias insinuantes, faziam permanente e pintavam seus cabelos lisos, e economizavam para comprar cosméticos. Isso era chamado de liberalização.”

Meio século após Kracauer observar e descrever as novas
paixões das mulheres berlinenses, outro notável pensador alemão, Jürgen Habermas, escrevendo à época em que a sociedade de produtores estava chegando ao final de seus dias, e portanto com o benefício da percepção a posteriori, apresentava a “comodificação do capital e do trabalho” como a principal função, a própria raison d’être, do Estado capitalista. Ele apontou que, se a reprodução da sociedade capitalista é obtida mediante encontros transnacionais interminavelmente repetidos entre o capital no papel de comprador e o trabalho no de mercadoria, então o Estado capitalista deve cuidar para que esses encontros ocorram com regularidade e atinjam seus propósitos, ou seja, culminem em transações de compra e venda.

No entanto, para que se alcance tal culminação em todos os encontros, ou ao menos em um número significativo deles, o capital deve ser capaz de pagar o preço corrente da mercadoria, estar disposto a fazê-lo e ser estimulado a agir de acordo com essa disposição – garantido por uma política de seguros endossada pelo Estado contra os riscos causados pelos notórios caprichos dos mercados de produtos. O trabalho, por outro lado, deve ser mantido em condição impecável, pronto para atrair o olhar de potenciais compradores, conseguir a aprovação destes e aliciá-los a comprar o que estão vendo. Assim como encorajar os capitalistas a gastarem seu dinheiro com mão-de-obra, torná-la atraente para esses compradores é pouco provável sem a ativa colaboração do Estado. As pessoas em busca de trabalho precisam ser adequadamente nutridas e saudáveis, acostumadas a um comportamento disciplinado e possuidoras das habilidades exigidas pelas rotinas de trabalho dos empregos que procuram.

Hoje em dia, déficits de poder e recursos afligem a maioria dos Estados-nação que luta para desempenhar a contento a tarefa da comodificação – déficits causados pela exposição do capital nativo à competição cada vez mais intensa resultante da globalização dos mercados de capitais, trabalho e mercadorias, e pela difusão planetária das modernas formas de produção e comércio, assim como dos déficits provocados pelos custos, em rápido crescimento, do “Estado de bem-estar social”, esse instrumento supremo e talvez indispensável da comodificação do trabalho.

Aconteceu que, no caminho entre a sociedade de produtores e a sociedade de consumidores, as tarefas envolvidas na comodificação e recomodificação do capital e do trabalho passaram por processos simultâneos de desregulamentação e privatização contínuas, profundas e aparentemente irreversíveis, embora ainda incompletas.

A velocidade e o ritmo acelerado desses processos foram e
continuam a ser tudo, menos uniformes. Na maioria dos países (embora não em todos), eles parecem muito menos radicais no caso do trabalho do que até agora o foram em relação ao capital, cujos novos empreendimentos continuam a ser estimulados – quase como regra – pelos cofres governamentais numa escala crescente e não reduzida. Além disso, a capacidade e a disposição do capital para comprar trabalho continuam sendo reforçadas com regularidade pelo Estado, que faz o possível para manter baixo o “custo da mão-de-obra” mediante o desmantelamento dos mecanismos de barganha coletiva e proteção do emprego, e pela imposição de freios jurídicos às ações defensivas dos sindicatos – e que com muita freqüência mantêm a solvência das empresas taxando importações, oferecendo incentivos fiscais para exportações e subsidiando os dividendos dos acionistas por meio de comissões governamentais pagas com dinheiro público. Para apoiar, por exemplo, a fracassada promessa da Casa Branca de manter baixos os preços nos postos de gasolina sem ameaçar os lucros dos acionistas, o governo Bush confirmou, em fevereiro de 2006, que iria renunciar a 7 bilhões de dólares em royalties nos próximos cinco anos (soma que alguns estimam ser o quádruplo), a fim de encorajar a indústria norte-americana do petróleo a prospectar o produto nas águas de propriedade pública do golfo do México (“É como dar subsídios a um peixe para que ele nade”, foi a reação de um deputado a essa notícia: “É indefensável subsidiar essas empresas com os preços do petróleo e do gás tão elevados”.)

A tarefa da recomodificação do trabalho foi a mais afetada
até agora pelos processos gêmeos da desregulamentação e da
privatização. Essa tarefa está sendo excluída da responsabilidade governamental direta, mediante a “terceirização”, completa ou parcial, do arcabouço institucional essencial à prestação de serviços cruciais para manter vendável a mão-de-obra (como no caso de escolas, habitações, cuidados com os idosos e um número crescente de serviços médicos). Assim, a preocupação de garantir a “vendabilidade” da mão-de-obra em massa é deixada para homens e mulheres como indivíduos (por exemplo: transferindo os custos da aquisição de habilidades profi ssionais para fundos privados – e pessoais), e estes são agora aconselhados por políticos e persuadidos por publicitários a usarem seus próprios recursos e bom senso para permanecerem no mercado, aumentarem seu valor mercadológico, ou pelo menos não o deixarem cair, e obterem o reconhecimento de potenciais compradores. Tendo passado vários anos observando de perto (quase como participante) os mutáveis padrões de emprego nos setores mais avançados da economia norte-americana, Arlie Russell Hochschild descobriu e documentou tendências surpreendentemente semelhantes às encontradas na Europa e descritas de forma muito detalhada por Luc Boltanski e Eve Chiapello como o “novo espírito do capitalismo”. A preferência, entre os empregadores, por empregados “flutuantes”, descomprometidos, flexíveis, “generalistas” e, em última instância, descartáveis (do tipo “pau-pra-toda-obra”, em vez de especializados e submetidos a um treinamento estritamente focalizado), foi o mais seminal de seus achados. Nas palavras do próprio Hochschild:


Desde 1997, um novo termo – “chateação zero”*1– começou a circular em silêncio pelo Vale do Silício, terra natal da revolução informática nos Estados Unidos. Em sua origem, signifi cava o movimento sem fricção de um objeto físico como uma bicicleta ou um skate. Depois foi aplicado a empregados que, independentemente de incentivos fi nanceiros, trocavam com facilidade de emprego. Mais recentemente, passou a signifi car “descomprometido” ou “desobrigado”. Um empregador “pontocom” pode comentar, com aprovação, sobre um empregado: “Ele é um chateação zero”, querendo dizer que ele está disponível para assumir atribuições extras, responder a chamados de emergência, ou ser realocado a qualquer momento. Segundo Po Bronson, pesquisador da cultura do Vale do Silício, “chateação zero é ótimo. Por algum tempo, os novos candidatos eram jocosamente indagados sobre seu ‘coefi ciente de chateação’”.


Morar a alguma distância do Vale do Silício e/ou carregar o
peso de uma mulher ou fi lho aumentam o “coeficiente de chateação” e reduzem as chances de emprego do candidato. Os empregadores desejam que seus futuros empregados nadem em vez de caminhar e pratiquem surfe em vez de nadar. O empregado ideal seria uma pessoa sem vínculos, compromissos ou ligações emocionais anteriores, e que evite estabelecê-los agora; uma pessoa pronta a assumir qualquer tarefa que lhe apareça e preparada para se reajustar e refocalizar de imediato suas próprias inclinações, abraçando novas prioridades e abandonando as adquiridas anteriormente; uma pessoa acostumada a um ambiente em que “acostumar-se” em si – a um emprego, habilidade ou modo de fazer as coisas – é algo malvisto e, portanto, imprudente; além de tudo, uma pessoa que deixará a empresa quando não for mais necessária, sem queixa nem processo. Uma pessoa que também
considera as perspectivas de longo prazo, as trajetórias de carreira gravadas na pedra e qualquer tipo de estabilidade mais desconcertantes e assustadoras do que a ausência das mesmas.

A arte da “recomodificação” do trabalho em sua forma nova e atualizada é singularmente imprópria para ser aprendida a partir da pesada burocracia governamental, notoriamente inerte, presa à tradição, resistente à mudança e amante da rotina. E essa burocracia é particularmente imprópria para cultivá-la, ensinála e inculcá-la. É melhor deixar esse trabalho para os mercados de consumo, já conhecidos por sua perícia em treinar seus clientes em artes similares e por fl orescerem a partir disso. E assim se faz. Transferir para o mercado a tarefa de recomodifi car o trabalho é o signifi cado mais profundo da conversão do Estado ao culto da “desregulamentação” e da “privatização”.

(...)

Na sociedade de consumidores, ninguém pode se tornar sujeito sem primeiro virar mercadoria, e ninguém pode manter segura sua subjetividade sem reanimar, ressuscitar e recarregar de maneira perpétua as capacidades esperadas e exigidas de uma mercadoria vendável. A “subjetividade” do “sujeito”, e a maior parte daquilo que essa subjetividade possibilita ao sujeito atingir, concentra-se num esforço sem fi m para ela própria se tornar, e permanecer, uma mercadoria vendável. A característica mais proeminente da sociedade de consumidores – ainda que cuidadosamente disfarçada e encoberta – é a transformação dos consumidores em mercadorias; ou antes, sua dissolução no mar de mercadorias em que, para citar aquela que talvez seja a mais citada entre as muitas sugestões citáveis de Georg Simmel, os diferentes signifi cados das coisas, “e portanto as próprias coisas, são vivenciados como imateriais”, aparecendo “num tom uniformemente monótono e cinzento” – enquanto tudo “flutua com igual gravidade específi ca na corrente constante do dinheiro”. A tarefa dos consumidores, e o principal motivo que os estimula a se engajar numa incessante atividade de consumo, é sair dessa invisibilidade e imaterialidade cinza e monótona, destacandose da massa de objetos indistinguíveis “que fl utuam com igual gravidade específica” e assim captar o olhar dos consumidores (blasé!)...

O primeiro álbum gravado por Corinne Bailey Rae, cantora de 27 anos nascida em Leeds e contratada em 2005 por um homem do Departamento de Artistas & Repertório da EMI, ganhou o disco de platina em apenas quatro meses.13 Um fato extraordinário. Uma em cada um milhão ou centenas de milhões de pessoas chegam ao estrelato depois de uma breve aparição numa banda independente e de um emprego como atendente numa boate de música soul. Uma probabilidade não maior, talvez ainda menor, do que a de ganhar na loteria (mas observemos que, semana após semana, milhões de pessoas continuam comprando bilhetes lotéricos). “Minha mãe é professora de uma escola primária”, disse Corinne a um entrevistador, “e quando ela pergunta aos meninos o que eles querem ser quando crescer, eles dizem: ‘Famoso.’ Ela pergunta por que motivo e eles respondem: ‘Não sei, só quero ser famoso.’”

Nesses sonhos, “ser famoso” não signifi ca nada mais (mas também nada menos!) do que aparecer nas primeiras páginas de milhares de revistas e em milhões de telas, ser visto, notado, comentado e, portanto, presumivelmente desejado por muitos – assim como sapatos, saias ou acessórios exibidos nas revistas luxuosas e nas telas de TV, e por isso vistos, notados, comentados, desejados... “Há mais coisas na vida além da mídia”, observa Germaine Greer, “mas não muito ... Na era da informação, a invisibilidade é equivalente à morte.” A recomodificação constante, ininterrupta,

é para a mercadoria. Logo, também para o consumidor, equivale ao que é o metabolismo para os organismos vivos.
Além de sonhar com a fama, outro sonho, o de não mais se dissolver e permanecer dissolvido na massa cinzenta, sem face e insípida das mercadorias, de se tornar uma mercadoria notável, notada e cobiçada, uma mercadoria comentada, que se destaca da massa de mercadorias, impossível de ser ignorada, ridicularizada ou rejeitada. Numa sociedade de consumidores, tornar-se uma mercadoria desejável e desejada é a matéria de que são feitos os sonhos e os contos de fadas.

Escrevendo de dentro da incipiente sociedade de produtores,
Karl Marx censurou os economistas da época pela falácia do “fetichismo da mercadoria”: o hábito de, por ação ou omissão, ignorar ou esconder a interação humana por trás do movimento das mercadorias. Como se estas, por conta própria, travassem relações entre si a despeito da mediação humana. A descoberta da compra e venda da capacidade de trabalho como a essência das “relações industriais” ocultas no fenômeno da “circulação de mercadorias”, insistiu Marx, foi tão chocante quanto revolucionária: um primeiro passo rumo à restauração da substância humana na realidade cada vez mais desumanizada da exploração capitalista.

Um pouco mais tarde, Karl Polanyi abriria outro buraco na ilusão provocada pelo fetichismo da mercadoria: sim, diria
ele, a capacidade de trabalho era vendida e comprada como se fosse uma mercadoria como outra qualquer, mas não, insistiria Polanyi, a capacidade de trabalho não era nem poderia ser uma mercadoria “como” outra qualquer. A impressão de que o trabalho era pura e simplesmente uma mercadoria só podia ser uma grande mistifi cação do verdadeiro estado das coisas, já que a “capacidade de trabalho” não pode ser comparada nem vendida em separado de seus portadores. De maneira distinta de outras mercadorias, os compradores não podem levar sua compra para casa. O que compraram não se torna sua propriedade exclusiva e incondicional, e eles não estão livres para utereet abutere (usar e abusar) dela à vontade, como estão no caso de outras aquisições. A transação que parece “apenas comercial” (recordemos a queixa de Thomas Carlyle, no início do século XX, de que relações humanas multifacetadas tinham sido reduzidas a um mero “nexo fi nanceiro”) inevitavelmente liga portadores e compradores num vínculo mútuo e numa interdependência estreita. No mercado de trabalho, um relacionamento humano nasce de cada transação comercial; cada contrato de trabalho é outra refutação do fetichismo da mercadoria, e na seqüência de cada transação logo aparecem provas de sua falsidade, assim como da ilusão ou auto-ilusão subseqüente.

Se foi o destino do fetichismo da mercadoria ocultar das vistas a substância demasiado humana da sociedade de produtores, é papel do fetichismo da subjetividade ocultar a realidade demasiado comodificada da sociedade de consumidores.

A “subjetividade” numa sociedade de consumidores, assim como a “mercadoria” numa sociedade de produtores, é (para usar o oportuno conceito de Bruno Latour) um fatiche– um produto profundamente humano elevado à categoria de autoridade sobre-humana mediante o esquecimento ou a condenação à irrelevância de suas origens demasiado humanas, juntamente com o conjunto de ações humanas que levaram ao seu aparecimento e que foram condição sine qua non para que isso ocorresse.

No caso da mercadoria na sociedade de produtores, foi o ato de comprar e vender sua capacidade de trabalho que, ao dotá-la de um valor de mercado, transformou o produto do trabalho numa mercadoria – de uma forma não visível (e sendo oculta) na aparência de uma interação autônoma de mercadorias. No caso da subjetividade na sociedade de consumidores, é a vez de comprar e vender os símbolos empregados na construção da identidade – a expressão supostamente pública do “self” que na verdade é o “simulacro” de Jean Baudrillard, colocando a “representação” no lugar daquilo que ela deveria representar –, a serem eliminados da aparência do produto fi nal. A “subjetividade” dos consumidores é feita de opções de compra – opções assumidas pelo sujeito e seus potenciais compradores; sua descrição adquire a forma de uma lista de compras. O que se supõe ser a materialização da verdade interior do self é uma idealização dos traços materiais – “objetificados” – das escolhas do consumidor.

(...)

Há limites até onde se pode estender a “soberania do consumidor” prometida pela sociedade dos consumidores – limites intransponíveis –, e de cada encontro entre seres humanos esses limites tendem a emergir fortalecidos, apesar (ou por causa) das pressões para retraçá-los.

O fetichismo da subjetividade, tal como, antes dele, o fetichismo da mercadoria, baseia-se numa mentira, e assim é pela mesma razão de seu predecessor – ainda que as duas variedades de fetichismo centralizem duas operações encobertas em lados opostos da dialética sujeito-objeto entranhada na condição existencial humana. Ambas as variações tropeçam e caem diante do mesmo obstáculo: a teimosia do sujeito humano, que resiste bravamente às repetidas tentativas de objetificá-lo.

Na sociedade de consumidores, a dualidade sujeito-objeto tende a ser incluída sob a dualidade consumidor-mercadoria. Nas relações humanas, a soberania do sujeito é, portanto, reclassifi cada e representada como a soberania do consumidor – enquanto a resistência ao objeto, derivada de sua soberania não inteiramente suprimida, embora rudimentar, é oferecida à percepção como a inadequação, inconsistência ou imperfeição de uma mercadoria mal escolhida.

O consumismo dirigido para o mercado tem uma receita para enfrentar esse tipo de inconveniência: a troca de uma mercadoria defeituosa, ou apenas imperfeita e não plenamente satisfatória, por uma nova e aperfeiçoada. A receita tende a ser reapresentada como um estratagema a que os consumidores experientes recorrem automaticamente de modo quase irrefletido, a partir de um hábito aprendido e interiorizado. Afinal de contas, nos mercados de consumidores-mercadorias, a necessidade de substituir objetos de consumo “defasados”, menos que plenamente satisfatórios e/ou não mais desejados está inscrita no design dos produtos e nas campanhas publicitárias calculadas para o crescimento constante das vendas. A curta expectativa de vida de um produto na prática e na utilidade proclamada está incluída na estratégia de marketing e no cálculo de lucros: tende a ser preconcebida, prescrita e instilada nas práticas dos consumidores mediante a apoteose das novas ofertas (de hoje) e a difamação das antigas (de ontem).

Entre as maneiras com que o consumidor enfrenta a insatisfação, a principal é descartar os objetos que a causam. A sociedade de consumidores desvaloriza a durabilidade, igualando “velho” a “defasado”, impróprio para continuar sendo utilizado e destinado à lata de lixo. É pela alta taxa de desperdício, e pela decrescente distância temporal entre o brotar e o murchar do desejo, que o fetichismo da subjetividade se mantém vivo e digno de crédito, apesar da interminável série de desapontamentos que ele causa. A sociedade de consumidores é impensável sem
uma florescente indústria de remoção do lixo. Não se espera dos consumidores que jurem lealdade aos objetos que obtêm com a intenção de consumir.

O padrão cada vez mais comum de uma “relação pura”, revelado e descrito por Anthony Giddens em seu livro Transformações da intimidade, pode ser interpretado como um transplante da regra do mercado de bens para o domínio dos vínculos humanos. A prática da “relação pura”, bastante observada e por vezes louvada no folclore popular e em sua representação pelos meios de comunicação, pode ser visualizada à semelhança da presumida ou postulada soberania do consumidor. O impacto da diferença entre o relacionamento parceiro-parceiro e o ato de adquirir bens de consumo comuns, distinção essa muito profunda, originada na reciprocidade do acordo necessário para que a relação se inicie, é minimizado (se não tornado totalmente irrelevante) pela cláusula que torna a decisão de um dos parceiros suficiente para encerrá-la. É essa cláusula que põe a nu a similaridade sobreposta à diferença: no modelo de uma “relação pura”, tal como nos mercados de bens, os parceiros têm o direito de tratar um ao outro como tratam os objetos de consumo. Uma vez que a permissão (e a prescrição) de rejeitar e substituir um objeto de consumo que não traz mais satisfação total seja estendida às relações de parceria, os parceiros são reduzidos ao status de objetos de consumo. De maneira paradoxal, eles são classifi cados assim por causa de sua luta para obter e monopolizar as prerrogativas do consumidor soberano...

Uma “relação pura” centralizada na utilidade e na satisfação é, evidentemente, o exato oposto de amizade, devoção, solidariedade e amor – todas aquelas relações “Eu-Você” destinadas a desempenhar o papel de cimento no edifício do convívio humano. Sua “pureza” é avaliada, em última instância, pela ausência de ingredientes eticamente carregados. A atração de uma “relação pura” está na deslegitimação, para citar Ivan Klima, de questões como: “Onde está a fronteira entre o direito à felicidade pessoal e a um novo amor, por um lado, e o egoísmo irresponsável que desintegraria a família e talvez prejudicasse os fi lhos, de outro?” Em última instância, essa atração está em estabelecer o atar e desatar de vínculos humanos como ações moralmente “adiafóricas” (indiferentes, neutras), que portanto livram os atores da responsabilidade que o amor, para o bem ou para o mal, promete e luta para construir e preservar. “A criação de um relacionamento bom e duradouro”, em total oposição à busca de prazer por meio de objetos de consumo, “exige um esforço enorme” – um aspecto que a “relação pura” nega de forma enfática em nome de alguns outros valores, entre os quais não fi gura a responsabilidade pelo outro, fundamental em termos éticos. Mas aquilo com o que o amor, em completa oposição a um mero desejo de satisfação, deve ser comparado, sugere Klima,

é a criação de uma obra de arte ... Isso também exige imaginação, concentração total, a combinação de todos os aspectos da personalidade humana, sacrifício pessoal por parte do artista e liberdade absoluta. Mas acima de tudo, tal como se dá com a criação artística, o amor exige ação, ou seja, atividades e comportamentos não-rotineiros, assim como uma atenção constante à natureza intrínseca do parceiro, o esforço de compreender sua individualidade, além de respeito. E, por fi m, ele precisa de tolerância, da consciência de que não deve impor suas perspectivas ou opiniões ao companheiro ou atrapalhar sua felicidade.

O amor, podemos dizer, abstém-se de prometer uma passagem
fácil para a felicidade e a signifi cação. Uma “relação pura” inspirada por práticas consumistas promete que essa passagem será fácil e livre de problemas, enquanto faz a felicidade e o propósito reféns do destino – é mais como ganhar na loteria do que um ato de criação e esforço.


[a] Nota do autor deste blog: O livro de Bauman foi lançado no em 2007, mas, obviamente, os comentários de Bauman são pertinentes e diretamente identificados com o atual, mais famoso e importante site de relacionamentos, o “facebook”.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

ciclos econômicos

Crise financeira ou sociometabólica?

"Uma coisa a perceber sobre o nosso sistema bancário de reservas fracionárias
é que, como no jogo das cadeiras, enquanto a música estiver tocando,
não há perdedores [para quem estiver no jogo]"

 Andrew Gause, Historiador Monetário


Existem milhões de sites, vídeos, textos, artigos, livros, filmes, etc, etc...  que fornecem explicações sobre a crise financeira que todos testemunhamos, vivenciamos e somos vítimas. No entanto a grande maioria delas aborda somente seus efeitos e consequências, numa miríade de termos técnicos que nem mesmo economistas entendem. Falam de "controle da inflação" como se a mesma fosse um ente superior poderoso e intangível, e 'culpam' determinados setores da economia, ou crises em países alhures, pelas elevações e (raras) quedas nos preços. Nada poderia ser mais falacioso e maquiado.

Neste texto (que será dividido em vários posts), tentarei abordar o tema da denominada crise financeira. Um tema espinhoso, denso, controverso e polêmico. Mas que deve ser enfrentado, visto e re-visto, pois absorve todas as esferas de nossas vidas, quer queiramos ou não. Não me considero suficientemente capaz e competente para abordar de forma ampla e profunda este tema, mas temo que acumulei informações, dados e opiniões que são pertinentes e até mesmo reveladores. Buscarei portanto, neste espaço, organiza-las de forma coerente e concisa, "traduzindo" -- na medida da minha capacidade -- o "economês" para uma linguagem acessível aos leitores interessados.

Utilizarei de diversas fontes e referências, as quais, por comodidade, tomarei a liberdade de reunir somente no final, num post específico de referências. No entanto eu gostaria de chamar a atenção do leitor para uma referência em partucular (de onde algumas ilustrações deste texto são retiradas) - trata-se da do Cartoon animado Money as Debt produzido pelo artista e ativista Paul Grignon, que explica de forma didática e reveladora o funcionamento do sistema monetário atual([1]).

Neste post o tema é: os ciclos econômicos.

Ciclos Econômicos


O conceito de ciclo econômico refere-se, em princípio, às flutuações da atividade econômica em períodos de vários mêses ou anos. O ciclo envolve uma alternância de fases de crescimento relativamente rápido (recuperação e prosperidade), com períodos de relativa estagnação ou declínio (contração ou recessão).

Os ciclos econômicos são caracterizados por uma dinâmica envolvendo um grande número de atividades econômicas e sociais, e não somente pelo movimento de uma única variável, embora essas flutuações sejam geralmente medidas em termos de variação do Produto Interno Bruto dos países ou dados monetários como estoque de dinheiro na economia.

Por ser um dos temas mais controversos da economia, o próprio termo "ciclo" parece soar alarmes para muitos cientistas sociais. Eles presumem que signifique algo mecanicista ou mesmo místico, destituído de validade científica, além de ser algo não comprovado, se não improvável. Sistemas sociais, ao contrário do mundo físico, não são apenas extremamente complexos, mas auto-direcionados e em constante evolução.

A palavra "ciclo", para alguns, evoca imagens de mecanismos de relógio exibindo periodicidades e regularidades estritas num padrão mal adaptado para descrever processos sociais. Esta é uma das razões para muitos estudiosos adotaram a terminologia "ondas" (waves), no lugar de "ciclos". Mas formalmente, nem onda nem ciclo transmitem uma implicação inerentemente mecanicista e fechada. Ambos os termos podem se referir tanto a periodicidade física ou a uma sequência não-periódica repetindo-se. No mundo físico (específicamente na dinâmica), os ciclos são fundamentais para a estruturação de massa e energia em todo o universo em todos os níveis, mas todos os níveis também manifestam mudanças não-cíclicas irreversíveis no tempo. A radiação eletromagnética, por exemplo, é uma oscilação em fase dos campos elétricos e magnéticos, e é tanto cíclico (natureza ondulatória) como corpuscular (natureza das partículas).

A primeira exposição sistemática acerca de crises econômicas periódicas, em oposição à teoria existente de equilíbrio economico, foi proposta por Jean Charles Léonard de Sismondi ([2]). Antes, a economia clássica negava a existência de ciclos econômicos, alegava que  fatores externos, nomeadamente a guerra, eram sua causa. Sismondi encontrou evidências e justificativas para sua teoria no Pânico de 1825, que foi indiscutivelmente a primeira crise econômica internacional que ocorreu em tempos de paz. Sismondi e seu contemporâneo Robert Owen, identificaram a causa dos ciclos econômicos como superprodução e subconsumo, ocasionados em especial, pela desigualdade de riqueza. À época, eles defenderam a intervenção do governo e a adoção do socialismo, respectivamente, como a possível solução. O trabalho não gerou interesse entre os economistas clássicos, embora tenham lançado a teoria do subconsumo, desenvolvida como um ramo da economia, o qual foi posteriormente sistematizado na economia keynesiana nos anos 1930.

As crises periódicas do capitalismo formaram uma das bases para as críticas à ecônomia política de Karl Marx, o qual dedicou centenas de páginas de Das Kapital (cujo primeiro volume é de 1867) às crises. No Manifesto Comunista de 1848, Karl Marx e Friedrich Engels descreveram as tendências de crise do capitalismo em termos de "a destruição forçada de uma massa de forças produtivas":

(...) uma sociedade que conjurou gigantescos meios de produção e de troca, é como o feiticeiro que já não é capaz de controlar os poderes do mundo que ele criou através de suas magias. (...) Basta mencionar as crises comerciais que, por seu caráter periódico colocam a existência de toda a sociedade burguesa em julgamento, de forma cada vez mais ameaçadora. Nessas crises, uma grande parte, não só da produção existente, mas também das forças produtivas criadas anteriormente, é periodicamente destruída. Nessas crises, eclode uma epidemia, a qual, em todas as épocas anteriores teria parecido um absurdo - a epidemia da superprodução. (...) E como a burguesia vence essas crises? Por um lado, pela destruição violenta de uma massa de forças produtivas, por outro lado, pela conquista de novos mercados e pela exploração mais intensa dos antigos. Isto é, com a pavimentação do caminho para crises mais extensas e mais destruidoras, e diminuindo as formas pelas quais crises são evitadas.

Lembrando que Marx e Engels escreveram estas palavras em 1848, e portanto, ha mais de 160 anos, e mais de 80 anos antes da chegada da crise de 29 e da Grande Depressão que se seguiu e arruinou a economia dos Estadosunidos e do mundo. Evidentemente, o manifesto - como o próprio nome sugere - aborda a questão de forma, digamos, didática e sintética, mas os mecanismos causadores das crises de sua época foram muito bem explorados por Marx em seus livros e teorias([3]).

Portanto, o chamado ciclo econômico, ou "ciclo do comércio" do capitalismo (de 7 a 11 anos) já era conhecido de todo homem de negócios do século XIX, quando uma periodicidade um tanto mais longa começou a chamar a atenção no fim deste século, a medida em que observadores inferiram em retrospecto as peripécias das décadas anteriores. Clamava-se por uma explicação convincente que indicasse, sob a ótica do capital, as prováveis causas dos ciclos.

Em um artigo publicado em Novembro de 2000 [[4]] por Alan Woods, vemos que nos debates que tiveram lugar no seio da Internacional Comunista no início dos anos 1920 a questão do ciclo econômico foi discutida com alguma profundidade. Os ultra-esquerdistas [como Stalin, p.e.] defendiam o argumento de que aquele período de grandes conturbaçoes representava a crise final do capitalismo. Alegavam que o capitalismo iria entrar em colapso sob o peso de suas próprias contradições. Lenin e Trotsky, ao contrário, apontavam que não há tal coisa como a crise final do capitalismo, no sentido de um colapso automático do sistema. Deixado a si mesmo, o sistema capitalista sempre encontraria uma maneira de superar e sair da crise - embora a um custo mais terrível para a classe trabalhadora e para a civilização humana.

Kondratiev

Foi então que, na década de 20 um economista russo Nikolai Dmitrievich Kondratiev (*1892, +1932) desenvolveu uma teoria baseada numa série de "ondas longas" (de 50 a 60 anos) que vieram a ser conhecidas por ondas de Kondratiev. Tanto para os ciclos mais curtos como as ondas longas, a delimitação exata de cada período é controversa, porém, em linhas gerais, é possível estabelecer a existência de alguns desses períodos, e - novamente olhando em retrospécto - seria também possível inferir possíveis causas e características de cada um.

Kondratiev foi diretor do Instituto de Investigações Econômicas de Moscou. Foi um economista talentoso e original, e teve um trágico destino. Como tantos intelectuais proeminentes que brilharam nos primeiros anos do poder soviético, ele terminou sua vida em um dos campos de trabalhos forçados de Stalin. A natureza trágica de sua morte e a natureza corajosa e notavelmente original de suas hipóteses cercou seu nome com uma aura quase mística. Em alguns círculos ele é visto como um grande guru cuja teoria de "ondas longas" serve para explicar (e, além disso prever) amplos desenvolvimentos históricos.

Kondratiev baseou sua teoria na análise de Marx sobre o ciclo de comércio - o ciclo normal de booms e recessões que é  característica fundamental do capitalismo. No entanto, não há nenhuma relação entre ambos. A teoria de Marx do ciclo capitalista é precisamente explicada nos três volumes de O Capital. Todo o processo é apresentado em grande detalhe e o mecanismo preciso é explicado a partir de qualquer ponto de vista. Por outro lado, a teoria de Kondratiev é uma hipótese muito particular, com base em alguns fatos arbitrariamente seleccionados para "ajustar" em seu caso.




[Nicolai Kondratiev]


Fato é que Kondratiev não era um  "marxista contaminado pela ideologia comunista", mas tão somente um dedicado pesquisador e acadêmico. Suas teorias foram exibidas pela primeira vez em uma série de artigos no início dos anos 1920 no Terceiro Congresso da Internacional Comunista em 1922. Em 1924 ele publicou um artigo com o título A Estatística e a concepção dinâmica e flutuações Econômicas, que estabelece a sua tese básica. No ano seguinte, ele resumiu suas idéias em forma de livro. Mas por esta altura o clima na União Soviética já estava mudando. A ascensão da burocracia stalinista significava que todos os que não servilmente seguissem os ditames da liderança estavam em perigo de cair em desgraça. Em 1922 Trotsky fez algumas críticas à teoria de Kondratiev, mas o regime de Stalin usou outros métodos para resolver as diferenças. Kondratiev foi silenciado, afastado do seu posto e caiu na obscuridade. Então, no final de 1930, quando Stalin estava já a preparar os métodos que mais tarde iriam se transformar na infame "Grande Purga", Kondratiev foi repentinamente preso e acusado de ser o chefe do inexistente partido dos trabalhadores camponeses. A acusação era absurda. Mas, mesmo sem a pretensão de um julgamento Kondratiev foi enviado para a Sibéria, onde morreu em setembro de 1932, sob circunstâncias que nunca foram esclarecidas.



Schumpeter

Desta sorte, posteriormente, Joseph Schumpeter (*1883, +1950), definiu quatro fases para um ciclo econômico: (1) crescimento, (boom); (2) recessão; (3) depressão; (4) recuperação. Segundo sua teoria, embora os ciclos econômicos se repitam, e sejam caracterizados por períodos de expansão e contração da atividade econômica, não são necessariamente periódicos. São, no entanto, fenômenos característicos das economias de mercado, impulsionados pelos paradigmas provocados por inovações  empresariais.


[Joseph Schumpeter]

Schumpeter elaborou este conceito, tornando-se central para sua teoria econômica, sendo que a fonte mais provável pode ser encontrada em seu livro Ciclos de Negócios de 1939. Foi a partir deste livro que o mundo ocidental conheceu pela primeira vez Nikolai Kondratiev e seu ciclo de onda longa. Tais ciclos, Schumpeter acreditava, eram causados ​​pelas inovações, que  caracterizam uma fonte de poder de mercado temporário, corroendo os lucros e posição das empresas mais antigas, que vem a sucumbir à pressão destas inovações.


[Ondas de Inovação de Schumpeter]


Na visão de Schumpeter, a atuação "inovadora" da grande empresa (e não mais do empresário/empreededor) é a força que sustenta, à longo prazo, o crescimento econômico, mesmo que isso leve à falência companias estabelecidas (e ao desemprego em massa dos trabalhadores) que tenham obtido algum grau de poder a partir do monopólio derivado do paradigma anterior, quer seja tecnológico, organizacional, regulamentar ou econômico. Tal é a base do conceitro de "destruição criativa", pois tenciona explicar muitas das dinâmicas ou cinéticas de mutações industriais: A transição de um mercado competitivo para um mercado monopolista, e vice versa. Foi a inspiração da teoria do crescimento endógeno e também da economia evolucionária.



Keynes


John Maynard Keynes (*1883, +1946), foi um economista britânico cujos ideais serviram de influência para a macroeconomia moderna, tanto na teoria quanto na prática. Ele defendeu uma política econômica de Estado intervencionista, através da qual os governos adotam medidas fiscais e monetárias para mitigar os efeitos adversos dos ciclos econômicos - recessão, depressão e booms. Suas ideias serviram de base para a escola de pensamento conhecida como economia keynesiana.


[John Maynard Keynes]

Na década de 1930, Keynes iniciou uma revolução no pensamento econômico, se opondo às ideias da economia neoclássica que defendiam que os mercados livres ofereceriam automaticamente empregos aos trabalhadores contanto que eles fossem flexíveis em suas demandas salariais. Após a eclosão da Segunda Guerra Mundial, as ideias econômicas de Keynes foram adotadas pelas principais potências econômicas do Ocidente. Durante as décadas de 1950 e 1960, o sucesso da economia keynesiana foi tão retumbante que quase todos os governos capitalistas adotaram suas recomendações.


A influência de Keynes na política econômica declinou na década de 1970, parcialmente como resultado de problemas que começaram a afligir as economias estadunidense e britânica no início da década e também devido às críticas de Milton Friedman, Hayek e outros economistas neoliberais pessimistas em relação à capacidade do Estado de regular o ciclo econômico com políticas fiscais. Entretanto, o advento da crise econômica global do final da década de 2000 causou um ressurgimento do pensamento keynesiano. A economia keynesiana forneceu a base teórica para os planos do presidente estadunidense Barack Obama, do primeiro-ministro britânico Gordon Brown e de outros líderes mundiais para aliviar os efeitos da recessão.


Teoria Austríaca do Ciclo Económico [TACE]

Posteriormente e concomutantamente, diversas hipóteses surgiram, complementando ou alterando a configuração básica dos ciclos econômicos tal como proposta por Kondratiev e Schumpeter. Uma destas versões, a teoria austríaca do ciclo económico (TACE) procura explicar o ciclo econômico através de um conjunto de causas crônicas, tal como propostas pela escola austríaca de economia (EAE).

Os fundadores da teoria austríaca do ciclo econômico historicamente foram Ludwig von Mises e Friedrich Hayek. Hayek ganhou o Prémio Nobel de Economia em 1974 (partilhado com Gunnar Myrdal), em parte, por seu trabalho sobre esta teoria. Resumidamente a TACE caracteriza o ciclo longo a partir de quatro fases, apelidadas com o nome das estações do ano. De acordo com a TACE, a característica de cada uma destas fases é resumidamente descrita no infográfico abaixo[[5]].


 [principais características da onda longa, segundo a TACE]


Pela teoria, os ciclos econômicos são vistos como uma consequência inevitável do crescimento excessivo da concessão de crédito, amplificada por políticas governamentais ineficazes e destrutivas dos bancos centrais (ver este post a respeito), que diminuem a taxa de juro em demasia por muito tempo. Tais ações, por sua vez levam a um boom insustentável durante o qual o empréstimo, artificialmente estimulado, acaba por diminuir as oportunidades de investimento. Esse boom resulta em maus investimentos (malinvestments) generalizados, fazendo que os recursos de capitais sejam mal distribuídos em áreas que não atrairiam investimentos se os "sinais" de preço não fossem distorcidos. A crise de correção ou de crédito ocorre quando a criação de crédito não pode ser sustentada. O mercado finalmente se "limpa" (falências), causando realocação de recursos que são redistribuídos para usos mais eficientes.


Atuais Contribuições da TACE

Mesmo dentro da denominada escola austríaca de economia, existem atualmente várias linhas de pensamento[[6]], e há diferenças claras entre elas. Porém, aparentemente, a abordagem dominante hoje em dia é a anarco-capitalista de Murray Rothbard, Hans-Hermann Hoppe e outros. Trata-se de uma forma de capitalismo que é ainda mais libertária e anárquica do que a defendida por muitos libertários[[7]].

Como disse Matthew Yglesias em recente artigo publicado no site slate.com: "A 'economia austríaca', neste sentido, vai além do pensamento padrão de mercado livre em um número de maneiras. mais notavelmente, ela [a escola austríaca] busca construir um forte caso ético  para o libertarianismo estrito sem admitir que isso levaria a problemas concretos, em absoluto. Portanto, juntamente com a rejeição da legitimidade de qualquer intervenção para proteger os pobres ou regular algo (uma posição muito mais radical do que até mesmo a de Hayek do Caminho da Servidão), os atuais austríacos rejeitam a idéia de que há qualquer coisa em fim, que o governo possa fazer para estabilizar as flutuações da macroeconômia."

E continua Yglesias: "Os austríacos também acreditam que o corte de impostos para impulsionar a atividade econômica também não funciona. Eles não concordam com a idéia de Milton Friedman de que um apropriado estímulo monetário feito pelo FED (o banco central americano) poderia ter evitado a Grande Depressão. Na verdade, eles discordam, mesmo da menos controversa de todas as medidas de estabilização, o ajuste normal das taxas de juro de curto prazo que todos os bancos centrais modernos usam para tentar impedir tanto inflação quanto deflação. Na visão dos austríacos, praticamente todas as políticas econômicas lançadas pelos governos federais [e respectivos bancos centrais] são erros que distorcem os mercados. Em vez de curar as recessões, os austríacos afirmam que as políticas de estímulo as causam, produzindo bolhas insustentáveis."

De qualquer forma é inegavel a importante contribuição da teoria austríaca do ciclo econômico na compreesão mais abrangente dos vários efeitos de longo alcance dos ciclos econômicas, e muitos de seus nefastos mecanismos (inflação, desemprego, formação de bolhas imobiliárias, especulações, falências, etc). No momento em que foi apresentada, a teoria do ciclo de negócios de Mises e Hayek era realmente um avanço teórico muito grande. Os principais concorrentes eram os defensores ortodoxos da Lei de Say, que negavam que um ciclo de negócios fosse possível (o desemprego era atribuído a sindicatos ou a salários mínimos impostos pelo governo), além dos marxistas que ofereciam um modelo de crise catastrófico, impulsionado pelo declínio da taxa de lucro. Os austríacos foram, de fato, os primeiros a oferecer boas razões para a não-neutralidade da moeda. A expansão da oferta de moeda iria diminuir (curto prazo) as taxas de juros e, portanto, fazer os investimentos mais atrativos.

No entanto, segundo análise feita pelo economista e professor da Universidade Johns Hopkins, John Quiggin (aqui resumida em seu pontos principais):

Ha uma implicação óbvia sobre a possível inferência extraída dos resultados do mercado. Se investidores antecipam corretamente que um declínio nas taxas de juros será temporário, pela lógica, eles não iriam avaliar investimentos de longo prazo com base em taxas atuais. Assim, a teoria austríaca exige uma falha racional de expectativas ou ainda uma falha no mercado de capitais, o que significa que os indivíduos racionalmente optariam por fazer 'maus' investimentos no pressuposto de que alguém vai arcar com o custo. E se qualquer uma destas condições se aplica, não há razão para pensar que os resultados do mercado serão ótimos afinal.

Isso implica que, no modelo austríaco, o consumo deveria ser negativamente correlacionado com os investimentos ao longo do ciclo de negócios, quando na realidade o oposto é verdadeiro. Na medida em que booms são movidos por crenças equivocadas de que os investimentos se tornam mais rentáveis, são, portanto tipicamente caracterizados por alto consumo, e não baixo.

E ainda, a teoria austríaca aborda pouco a questão dos mercados de trabalho, mas para a imensa maioria das pessoas, é o desemprego o que torna o ciclo de negócios um problema. Coube a Keynes produzir uma teoria em que, a não neutralidade da moeda poderia produzir um certo "desemprego sustentado". A idéia de ciclo de crédito pode ser facilmente combinada com uma forma keynesiana de sub-emprego de equilíbrio, e ainda mais facilmente com a idéia keynesiana de 'espírito animal'. Isso foi feito de forma mais destacada por Minsky, e a idéia de espíritos animais foi recentemente revivida por Akerlof e Shiller.

Infelizmente, tendo dado os primeiros passos na direção de uma teoria séria do ciclo de negócios, Hayek e Mises passaram o resto de suas vidas dando duro na direção oposta, alimentando e realimentando seu declarado ódio contra o socialismo, marxismo e suas muitas vertentes. De fato, Hayek e Mises (e muitos dos atuais economistas austríacos) ao interpretar a crise de 1929, adotaram uma visão que -– apesar de não implícita pela teoria -- reflete claramente um compromisso a priori dos autores ao laissez-faire. O resultado foi que Hayek perdeu o apoio até mesmo de simpatizantes iniciais, e, ainda de acordo com John Quiggin, "esse erro tem se enrijecido em verdadeiro dogma nas mãos de seus atuais sucessores."



O Fluxo de Causalidade

Como visto, apesar de historicamente importante e relevante, nas últimas décadas a teoria austríaca dos ciclos econômicos se manteve estagnada em função de compromissos ideológicos anti-intervencionistas radicais por parte de seus atuais defensores. E ademais, a interpretação dos eventos, efeitos e consequências detro dos ciclos econômicos na teoria austríaca não contribui, de fato, para explicar as reais causas estruturais presentes e erradicadas dentro do sociometabolismo das crises. A abordagem austríaca (que adota sempre o ponto de vista do capital), analisa o ciclo econômico sempre a partir de seus efeitos para a partir deles tirar conclusões, tais como os malinvestiments, (provável efeito da expansão monetária provocada pelos governos). Porém -- assumindo por hora que os investidores ingenuamente erram em suas previsões ao apostar em investimentos de longo prazo a partir de taxas de juros artificialmente baixas –- ainda assim resta uma questão: por quê tais investimentos deveriam ser classificados como malinvestiments?

No argumento da EAE, quando um governo expande a oferta de moeda  "imprimindo dinheiro",  facilitando o crédito e aliviando taxas de empréstimo, etc - isso artificialmente aumenta os investimentos, os quais são denominados de mau-investimentos (malinvestiment), em projetos que não teriam sido iniciados, caso tais ofertas de crédito não ocorressem, visto que, segundo a interpretação da TACE, atingem proporções suficientes que precisam passar por um "processo de realocação", e o resultado seria recessão.

No entanto, tal argumentação se apóia na "lógica" dedutiva de que mal-investimentos vão inevitavelmente ocorrer. É fato que bancos centrais permintem e incentivam investimentos que do contrário estariam aguardando por ocorrer, porém, de acordo com a teoria austríaca, investimentos de qualquer tipo, quando estagnados devido a recessão, ficam "marcados" como sendo mau-investimentos caso os governos tomem medidas para deixa-los acontecer. Acreditar ou não que tais investimentos teriam sido mais sólidos numa economia de expanssão depende exclusivamente do que se deseja crer à priori.

A argumentação com base no "processo de realocação" esconde na verdade uma outra realidade muito mais estrutural característica do sociometabolismo das crises. Em princípio, investimentos somente se tornam "maus" quando sua contrapartida, ou sua consequência direta, não atinge e não contempla o tecido social como um todo. Ou seja, quando este dinheiro virtualmente "flui" das máquinas de impressão do governo até as mãos de poderosos (acionistas, CEOs, ricos homens de negócio, políticos corruptos, investidores parasitas, banqueiros e afins) com a única, inevitável, "incômoda" e necessária extração de excedentes dos trabalhadores, os quais realmente produzem e carregam, alienados e compactuados, toda esta absurda realidade nas costas.

Ao conjecturar com base em tais argumentos, o primeiro clamor, ou a primeira colocação a ser repondida é como, ou "com base em que?", tais hipóteses podem ser colocadas. De fato, recentemente diversos autores tem contribuído com verdadeiras "garimpagens", e oferecido ao público vultuosos bancos de dados com preciosas e claras informações acerca da distribuição de renda no passar dos anos para diversos países. Tais compilações abrangentes e organizadas de dados praticamente inexistiam até recentemente, e o acesso a estas informações era escasso e difícil. Um destes autores, o economista francês Emanuel Saez, diretor do Center for Equitable Growth, da University of California Berkeley, tem publicado uma série de artigos e dados onde reúne, organiza e analisa informações acerca da desigualdade de renda nos Estadosunidos e em diversos outros países.

Antes de seguir com a análise, deve-se enfatizar que a hipótese aqui exposta não tem, obviamente, a intenção de encerrar o assunto, nem de elucidar em definitivo a questão -- que envolve, obviamente, diversos outros fatores e processos -- mas tão somente lançar luz em outras questões, que aparentemente (até onde pudemos verificar) ficam relegadas à desimportância e classificadas como meros efeitos, quando na verdade, uma outra abordagem pode nos apontar, ou elucidar, exatamente o contrário.

Uma outra contribuição importante de Saez, além da valiosa coleta, organização e análise dos dados, é buscar um enfoque mais objetivo, claro e direto na análise interpretativa destes dados, ao publicar a distribuição de renda nos países de acordo com parcelas percentuais concentradas no topo mais rico, evitando assim interpretações de curvas e coeficientes complicados e abstratos. De acordo com Saez, "a medida de síntese mais comumente utilizada de desigualdade geral, o coeficiente de Gini, é mais sensível às transferências no centro da distribuição do que a nos extremos. (O coeficiente de Gini é definido como a razão entre a área entre a curva de Lorenz e a linha de igualdade sobre a área total sob a linha de igualdade). Mas as parcelas de renda no topo podem afetar materialmente a desigualdade global", tal como demonstra Saez em seu trabalho.

Apesar de a inferência direta com os ciclos econômicos não ser exatamente o foco de Saez em suas análises, seus dados demonstram uma clara correspondência entre as oscilações das ondas longas de Kondratiev com as oscilações de desigualdade de renda dentre as pessoas nos países.


[Parcela de Renda dos 10% mais ricos nos Estadosunidos]


O gráfico da figura acima[[8]] mostra o caso particular da parcela de renda dos 10% mais ricos nos Estadosunidos, onde pode-se verificar que, segundo Saez, "a parte do rendimento total que vai para as faixas de renda superiores aumentou dramaticamente nas últimas décadas nos Estados Unidos e em muitos outros países (...). Tomando o caso dos EUA, (...) depois de um declínio (de 10 pontos percentuais) precipitada durante a Segunda Guerra Mundial e da estabilidade nas décadas do pós-guerra, a participação decil superior subiu (um aumento de mais de 10 pontos percentuais) desde os anos 1970 e chegou a quase 50 por cento até 2007, o maior nível já registrado."

Olhando para esta curva, é inevitável pensar na similaridade que ela apresenta com os altos e baixos das ondas longas de Kondratiev. A figura seguinte sobrepõe a curva característica das ondas longas de Kondratiev sobre a curva da parcela de renda dos 10% mais ricos nos Estadosunidos.


 [parcela de renda dos mais ricos e a onda longa]

Fica clara a possibilidade de inferência, e a possibilidade de se colocar como um fator preponderante das crises – junto da superprodução, e da extração de excedentes – a superacumulação de renda por parte de uma pequena parcela da sociedade. Porém, é de se esperar que outros analistas aleguem, sempre pela ótica do capital, que isso não passa de mero efeito menor da crise - visto que – alegam os liberais convíctos – a questão da desigualdade é "algo inevitável", é "reflexo do mérito individual", é o "resutlado do esforço", da "disciplina, sobriedade, comprometimento e princípios" etc... e assim sendo, consequentemente, os que não ascendem socialmente para a faixa superior da distribuição de renda são os incapazes, os preguiçosos, os vagabundos, os descomprometidos, os que "não merecem", etc. Ora, se assim o fosse, a parcela da renda correspondente aos 10% mais ricos – ou os mais capazes, dignos, dedicados, inteligentes, trabalhadores e esforçados – não sofreria toda esta clara e evidente oscilação, acompanhando (ou antes contribuindo para) as intempéries das crises, e se manteria relativamente estável durante todo o período. Mas não é bem isso que nos mostra a curva acima levantada por Saez...

A hipótese conjunta de superprodução, extração de excedentes e superacumulação não é nova, e já se apresentava nos trabalhos de Marx e Engels, e foi diversas vezes colocada, revista e atualizada por diferentes autores, porém, a questão da distribuição de renda, como um dos fatores preponderantes das crises, carecia de aporte empírico fortalecido (apesar de ser afirmativamente apresentada e analisada pelos coeficiente de Gini, e outras análises). O excelente trabalho de Saez tem contribuído ao preencher esta lacuna, e tem colocado em evidência tais questões, o que, de fato, tem deixado muitos defensores da ordem existente bastante encabulados.

Para Concluir com as palávras de Saez: "Há um grande número de razões para estudar o desenvolvimento das parcelas de rendimento no topo. Entender o grau de desigualdade pelo topo e a importância relativa dos diferentes fatores que levam às crescentes partes superiores é importante no dimensionamento de políticas públicas. A preocupação com o aumento da parcela de renda no topo em vários países tem levado a propostas de maiores taxas de imposto sobre esta parcela superiore; outros países estão considerando limites de remuneração e bônus. A distribuição global está sob crescente escrutínio a medida que globalização avança."


[1] [http://paulgrignon.netfirms.com/MoneyasDebt/index.htm] As ilustrações presentes no texto que forem provenientes dos cartoons de Paul Grignon conterão em sua legenda o seguinte acrônimo: (PG, MaD) de Paul Grignon, Money as Debt.
[2] Sobre este assunto, ver [em inglês]: [http://www.economictheories.org/2008/11/over-production-and-under-consumption.html], [http://theweek.com/article/index/95385/the-panic-of-1825], [http://en.wikipedia.org/wiki/Business_cycle#cite_note-1]
[3] De sua época, pois diversas particularidades do sistema do capital vigentes à época de Marx foram modificadas e/ou adaptadas para a realidade atual de um sistema de abrangência global, o que remete às atualizações do pensamento de Marx (Escola de Frankfurt, István Mészáros, Slavoj Žižek, Antonio Negri, Zygmunt Bauman, dentre vários outros).
[4] [http://www.marxist.com/marxism-theory-long-waves-kondratiev141100.htm]
[5] Descrições parcialmente obtidas de www.longwavecycles.com/

[6] Ver a respeito: [http://socialdemocracy21stcentury.blogspot.com/2010/12/different-types-of-austrian-economics.html]
[7] Os seguidores de Rothbard, associados do Instituto Mises, tem travado uma "guerra" de décadas contra os irmãos Koch e contra a forma mais mainstream de libertarianismo que os mesmos representam. Ver a respeito: http://www.lewrockwell.com/gordon/gordon37.html
[8] Saez, Emmanuel, et al, Top Incomes in the Long Run of History,   Journal of Economic Literature 2011, 49:1, 3–71
http:www.aeaweb.org/articles.php?doi=10.1257/jel.49.1.3