quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

mágicas e senso numérico


ExtocausticoS
[pois complexo é, porventura... bit]

são "posts"
[com um 'pé' na matemática!
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num domínio que Une
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sem formato,
sem frescura


uma mágica com números

  • Pense num número, de 2 a 9
  • Multiplique-o por 9
  • Adicione os dígitos
  • Subtraia 5
  • Multiplique o número por ele mesmo

Reposta: 16

Como funciona isso?

Bem, tudo depende de um pouco de "magia numérica": Adicionar os dígitos de múltiplos de 9 sempre resultarão em 9 (ou múltiplos de 9).

Veja:

9x1  =  9 à 0 + 9 = 9
9x2  = 18 à 1 + 8 = 9
9x3  = 27 à 2 + 7 = 9

e assim sucessivamente....

(note ainda que tal "mágica" somente existe para o número 9 e seus múltiplos)

Portanto, ao se multiplicar um número (de 2 a 9) por 9, obtem-se um múltiplo de 9, e ao adicionar seus dígitos, resultará sempre em 9. O restante do truque é somente "enfeite" -- subtrair 5, obtem-se 4, e multiplicando 4 por 4 resulta em 16 – sempre!

senso numérico

O homem, [mesmo nos estágios iniciais de desenvolvimento] possuí uma faculdade, a qual, pode-se denominar de "senso numérico". Tal faculdade permite reconhecer que algo foi alterado numa coleção, quando -- sem seu conhecimento -- algo foi removido ou adicinado à coleção. Tal faculdade fundamental – inerente e característica de nossa espécie – formou-se, desenvolveu-se e evoluiu através de milhares de anos, por sucessivas gerações de hominídeos que gradualmente foram fortalecendo princípios abstratos que governam a estrutura e o uso desta faculdade.

Obviamente outras espécies de aves e mamíferos demonstram capacidades similares, porém distintas e muito mais limitadas em termos abstratos. Dentre as várias espécies, somente no homem tais princípios universais se desenvolveram. Porém, se desenvolveram por necessidades biológicas específicas - trata-se portanto de um processo, e não simples acidente histórico, ou pura "sorte".

[Representação dos números com os dedos – a partir de um manual publicado em 1520]


Desta sorte, como diz Chomsky, "o olho percebe, mas o espírito pode comparar, analisar, ver relações de causa e efeito, simetrias, etc., produzindo uma idéia abrangente do todo com suas partes, relações e problemas tradicionais da percepção tridimensional"[1]. No 'espírito' encontra-se a estrutura hereditária básica, que se desenvolveu com a espécie e hoje é inata do sistema nervoso, e permite ao homem classificar, distinguir e prever estados futuros complexos, antes mesmo de interagir e tocar objetos.

Há um padrão preestabelecido de desenvolvimento -- do embrião ao organismo adulto, com determinados estágios e fases evidenciadas e características (infância, puberdade, etc) -- cuja variedade e  forma a que cada indivíduo vivencia dentro destes padrões fixos é de suma importância para a vida humana. Porém, são ainda operações básicas e fundamentais, geneticamente determinadas, que dão origem a tais estruturas de impressionante complexidade, formadoras dos sistemas cognitivos humanos.

Ninguém levaria a sério a hipótese de que o organismo humano aprende pela experiência a ter braços no lugar de asas. Pode-se inferir o mesmo da capacidade cognitiva, ou seja, nascemos com o ferramental básico adequado e necessário, as estruturas mentais fundamentais, para que a partir daí possamos -- através de sucessivas tomadas de consciência -- estabelecer padrões e adquirir conhecimento. O matemático Alemão Leopold Kronecker (1823-1891) fez muitos inimigos quando escreveu: "Deus fez os inteiros; todo resto é trabalho do homem".

o problema do papiro

Portanto, muito do trabalho do homem nestes anos todos que nos antecederam foi estabelecer padrões, identificar semelhanças, simplificar, agrupar e inferir. E posteriormente, registrar e transferir conhecimentos adquiridos. Neste aspecto, um belo exemplo é o Papiro de Rhind, de cerca de 1650 a.C., onde um escriba de nome Ahmes detalha a solução de 85 problemas de aritmética, frações, cálculo de áreas, volumes, progressões, repartições proporcionais, regra de três simples, equações lineares, trigonometria básica e geometria. É um dos mais famosos antigos documentos matemáticos que chegaram aos dias de hoje.

Em seu problema 79 (figura abaixo), o Papiro de Rhind contém a seguinte tabela[2]:

----------------------------------------------
Inventário de uma casa
----------------------------------------------
                   casas              7
1         2801     gatos              49
2         5602     ratos              343
4         11204    ramos de trigo     2401
                   pacotes de grãos   16807
----------------------------------------------
total     19607                       19607
----------------------------------------------



[Problema 79 do Papiro de Rhind de 1650 a.c.]


Bem, o que exatamente o escriba Ahmes quis nos ensinar com esta tabela? Trata-se, na verdade de uma aula de progressão geométrica, que utiliza o número 7 como exemplo. Sendo Ahmes um ótimo professor, utiliza de um exemplo didático para explorar o tema, onde coloca o enunciado do seguinte problema:

Há sete casas, em cada casa há sete gatos, cada gato come sete ratos, cada rato come sete ramos de trigo; cada ramo de trigo produz sete pacotes de grãos. Encontrar o número total de itens envolvidos.

A coluna mais a direita mostra a solução tradicional, ou seja, em notação moderna:

7, 72, 73, 74, 75

ou

7, 49, 343, 2401, 16807,

cuja soma é 19607.

Porém, para nos poupar da monótona tarefa de executar tais algebrismos, Ahmes nos ensina um método mais rápido e "esperto".

Os Egípsios sabiam que qualquer inteiro pode ser representado como a soma de termos da prograssão geométrica 1,2,4,8,..., e que tal representação é única. Para se multiplicar, por exemplo, 12 por 13, eles poderiam simplesmente escrever um dos números, 13, p.e., a partir da progressão geométrica: 1+4+8, e posteriormente multiplicar pelo outro número: (1+4+8)x12 = 12+48+96 = 156, o que torna o processo muito mais simples.

O que significa portanto o número 2801 na segunda coluna à direita? Aqui Ahmes utiliza de uma propriedade das progressões geométricas com a qual os Egípsios eram também muito familiarizados: a soma dos n primeiros termos de uma progressão geométrica com o mesmo termo inicial e razão comum é igual a razão comum multiplicada por 1 mais a soma dos primeiros (n – 1) termos, ou em notação moderna:

a + a2 + a3 + ... + an = a x (1 + a2 + ... + an-1)

Este recurso foi usado pelo escriba Egípsio para reduzir a soma de uma progressão geométrica para outra com menos (e menores) termos, ou seja, para encontrar a soma da progressão:

7 + 49 + 343 + 2401 + 16807

Ahmes expressou-a como sendo:

7 x (1 + 7 + 49 + 343 + 2401)

Visto que a soma dos termos dentro do parenteses é igual a 2801, ele teve que multiplicar este número por 7. Porém, como tal multiplicação ainda pode ser um tanto difícil, pode-se ainda  decompor o número 7 em 1 + 2 + 4, e proceder a multiplicação de cada um por 2801. É o que expressa as colunas à direita da tabela, sendo:

2801 x (1 + 2 + 4) =

2801 + 5602 + 11204 =

19607

Dessa forma, um procedimento entediante e cansativo, que envolveria diversas multiplicações seguidas de somas complicadas e demoradas, se converte em somas e multiplicações simples de termos menores.

Pois bem, o problema 79 do Papiro de Rhind ilustra-nos esta tendência de identificar padrões, classificar, simplificar as coisas para lidar com elas depois.

Continuaremos com isso nos próximos posts....



[1]  Chomsky, Noam: "Reflexões sobre a linguagem", Cultrix, São Paulo, 1980.
[2] O terceiro termo da coluna à direita (2401) foi escrito originalmente no Papiro como sendo 2301 – o que foi provavelmente um erro do copista ou do próprio Ahmes, ao compilar seus dados. E também, os aqui denominados "pacotes" de grãos eram na verdade designidos no Papiro a partir da unidade Egípsia antiga "hekat".

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