Uma crítica às bases da ação humana de Ludwing Von Mises
JJJ
Dezembro / 2011
Introdução
"Não alcançamos a liberdade buscando a liberdade, mas sim a verdade.
A liberdade não é um fim, mas uma consequência."
Léon Tolstoi
"E se o mundo não corresponde em todos os aspectos a nossos desejos,
é culpa da ciência ou dos que querem impor seus desejos ao mundo?"
Carl Sagan
Em seu tratado Ação Humana (cuja primeira edição é de 1949, e a quarta edição saiu em 1996 com revisões por Bettina B. Greaves), o economista e filósofo austríaco Ludwing von Mises, elabora a, em suas palávras, "teoria geral da ação humana, a praxeologia". Afirma que os "problemas econômicos (...) estão imbuídos numa ciência mais geral, da qual não podem mais ser separados [a praxeologia]". Para Mises a liberdade de qualquer pessoa seria sempre restringida tanto pelas leis naturais (da natureza) quanto pelas leis da praxeologia, sendo que a função do Estado seria tão somente garantir, mediante coerção -- se necessário -- que as leis praxeológicas sejam garantidas. "Assim, podemos definir liberdade como o estado de coisas no qual a faculdade de o indivíduo escolher não é mais limitada pela violência do governo do que o seria, de qualquer forma, pela lei praxeológica" [Mises, Ludwing Von, "Ação Humana", quarta edição, 1996, pags. 22 e 23].
Ao defender a importância da sua teoria em face de outras disciplinas, diz o autor: "no que diz respeito à praxeologia os erros dos filósofos se devem a sua completa ignorância em economia". No entanto, em vista das incoerências e omissões verificadas (e reveladas neste texto) pode-se afirmar que, de fato, o inverso seria muito mais verdade, ou seja: no que diz respeito à economia, os erros dos "praxeologistas" se devem a sua completa ignorância em filosofia.... e também sua completa ignorância em psicologia, neurociência, biologia, história, etc. Aparentemente são poucos os "praxeologistas misenianos" que detém algum mínimo conhecimento sobre as diversas disciplinas que estão envolvidas e diretamente relacionadas à complexidade e abrangência inerentes ao comportamento e ação humanos. Sua disciplina é a economia e sua principal fonte de informação são artigos e textos "mastigados", elaborados por economistas liberais instruídos (e tendenciosos) numa versão atual dos déspotas esclarecidos, que repudiam qualquer tipo de intervenção do Estado na economia, exceto na manutenção e garantia dos direitos da propriedade privada e do livre mercado. Tais idéias são divulgadas a partir de instituições think-tanks (fartamente subsidiadas por ricos homens de negócio) que defendem e disseminam as idéias de Mises (e seus seguidores), por vezes até atualizando e contextualizando-as, mantendo, no entanto o oculto caráter omisso e anacrônico de seu pensamento.
[fonte imagem: http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1107]
Este texto procura elucidar algumas incoerências, omissões e distorções presentes na parte introdutória de seu tratado, especificamente os capítulos 1 e 2 onde o autor elabora as bases de sua teoria praxeológica, nas quais o restante do tratado é baseado e fundamentado.
E portanto, sendo as bases fracas, o restante é demolido.
Sobre Juízos de Valor
"O homem erudito é um descobridor de fatos que já existem
mas o homem sábio é um criador de valores que não existem e que ele faz existir."
Albert Einstein
"aquele que não conhece a verdade é apenas um idiota,
mas aquele que conhece a verdade e diz ser mentira é um trapaceiro!"
Bertolt Brecht
Já na parte introdutória de seu tratado, afirma Mises:
A descoberta da inevitável interdependência dos fenômenos do mercado destronou essa opinião [a de outros filósofos e críticos]. Desnorteadas, as pessoas tiveram de encarar uma nova visão da sociedade. Aprendendo estupefatas que existe outro aspecto, diferente do bom e do mau, do justo e do injusto, segundo o qual a ação humana podia ser considerada. Na ocorrência de fenômenos sociais prevalecem regularidades as quais o homem tem de ajustar suas ações, se deseja ser bem-sucedido. É inútil abordar fatos sociais com a postura de um censor que os aprova ou desaprova segundo padrões bastante arbitrários e julgamentos de valor subjetivos. Devemos estudar as leis da ação humana e da cooperação social como um físico estuda as leis da natureza. (...) Toda decisão humana representa uma escolha. Ao fazer sua escolha, o homem escolhe não apenas entre diversos bens materiais e serviços. Todos os valores humanos são oferecidos para opção. Todos os fins e todos os meios, tanto os resultados materiais como os ideais, o sublime e o básico, o nobre e o ignóbil são ordenados numa sequência e submetidos a uma decisão que escolhe um e rejeita outro. Nada daquilo que os homens desejam obter ou querem evitar fica fora dessa ordenação numa escala única de gradação e de preferência. [Ibid, pag. 22]
Porquê o homem tem que ajustar suas ações às regularidades? Que regularides são estas? e, porquê a interdependência alegada seria inevitável? E ainda, o que seria ser "bem sucedido" dentro do "juízo de valores" do autor? Sendo necessária uma "nova visão da sociedade", é um tanto contraditório alegar sobre "regularidades as quais o homem tem de ajustar suas ações". Ora, se existem "regularidades" já identificadas, é certo que alguma "visão" às enxergou, portanto, é falho tentar ajustar comportamentos dentro de regularidades a partir desta visão viciada e clamar por uma "nova visão da sociedade". Qual seria a origem de tais "regularidades"? Se são regularidades, possuem padrão, consequentemente possuem características, as quais podem ser alteradas, aperfeiçoadas, etc....
É fato que a expressão "juízo de valor" refere-se a uma opinião individual. E a opinião de cada indivíduo é formada por seu sistema de crenças e pela cultura a qual pertence. Assim, uma extensão natural da expressão "juízo de valor" é incluir declarações que aparentam ser unilaterais, parciais, fechadas e aprisionadas dentro de um sistema de valores fixo, e que podem ser vistas de forma diferente em outro. No entanto, a verdadeira objetividade é impossível, e mesmo as mais rigorosas análises racionais fundamentam-se no conjunto dos valores aceitos no curso da análise. Consequentemente, todas as conclusões são necessariamente juízos de valor (e logo, talvez suspeitas). De fato, incluir toda e qualquer conclusão numa única categoria nada faz para distinguir entre elas e é, portanto, uma descrição inútil, exceto como um dispositivo retórico pensado para desacreditar uma posição através dum apelo à autoridade. Portanto, declarar que "o homem tem que ajustar suas ações" às regularidades dos fenômenos sociais (ou do mercado) não foge minimamente ao artifício de se tirar conclusões, utilizando julgamentos de valor que são impostos e contidos no curso da análise, pensando em desacreditar outras posições contrárias.
O "juízo de valor" é um recurso de avaliação baseado em informações limitadas disponíveis, uma avaliação efetuada porque uma decisão deve ser tomada. Por exemplo, "verdades" científicas são consideradas objetivas, mas sua validade é mantida empiricamente, com a compreensão aceita de que evidências mais cuidadosas e/ou experiências mais amplas possam mudar os fatos. Além disso, uma opinião científica (no sentido de uma conclusão baseada num sistema de valores) é um juízo de valor baseado em avaliação rigorosa e de amplo consenso. Com este exemplo em mente, caracterizar uma opinião como um juízo de valor é vago sem a descrição do contexto que a cerca.() Dessa forma, a atividade humana individual deve ser interpretada sempre em contexto, nos termos de sua própria cultura. Tal relativismo não é mero axioma (algo que não precisa ser provado ou um ponto de partida a priori) ou mera hipótese apriorística lançada arbitrariamente como verdade absoluta (como as "leis praxeológicas") mas antes parte das conclusões que são produzidas da observação criteriosa e da convivência com outros grupos e com suas convicções, quaisquer que sejam.
Julgamentos de valor não são "subjetivos" no sentido depreciativo e autoritário declarado pelo autor. De fato, subjetivas, limitadas e erroneamente declaradas como inevitáveis e fixas são as "leis da ação humana" formuladas pelo autor, as quais são baseadas em escolhas e tomadas de decisão subjetivas, parciais e imutáveis, totalmente desconectadas do contexto presente daquele que deve escolher/decidir. Ainda, é interessante notar a recusa notadamente intencional do autor, em abordar a influência e importância do ambiente a que tais decisões e julgamentos estão submetidos e amarrados. Evita-se assim reconhecer e admitir que, independente de qualquer julgamento, é fato que qualquer decisão e qualquer escolha daquele de deve decidir/escolher sempre sofrerão a inevitável influência deste contexto sócio-cultural, além de todo o histórico psicopedagógico, afetivo e material que cada indivíduo carrega em sua unicidade. Negar este fato, varrendo-o para debaixo do tapete da insignificância e relega-lo ao desprezível, é conduzir uma análise incompleta e falha, visto que tais influências são nítidas e evidentes e estão entre as mais importantes contribuintes para as futuras escolhas e decisões do indivíduo. Este tema será abordado em maior aprofundamento mais a frente. Aqui, pode-se limitar a dizer que, até mesmo pais ingênuos e leigos, porém bem intencionados e atentos, sabem que a melhor maneira de se "formar" um adulto sadio e completo, ou de se precaver contra más decisões e escolhas -- dentro do juízo de valor destes pais, e em seu contexto -- é através da boa educação, do zelo, e de um ambiente de conforto afetivo e material.
Portanto, ao fazer tais afirmações, Mises simplesmente ignora, ou não reconhece, o contexto mais abrangente (sócio-cultural) onde tais escolhas materiais são oferecidas à decisão humana. E muito menos o processo (histórico-temporal-material-afetivo) que conduziu, ou mesmo que determinou tal decisão. No entanto, conforme sua teoria, "o homem é livre na medida em que pode escolher seus fins e os meios a empregar para atingi-los" [grifos deste autor]. Partindo desta premissa básica --que Mises defende como verdade absoluta e imutável-- Euclides A. Mance (1998) afirma que, segundo Mises, "a liberdade de um homem não significa poder realizar suas escolhas em seu relacionamento interhumano, mas tão somente escolher", e ainda, para demonstrar como a afirmação é absurdamente falsa, Mance lança a seguinte hipótese, de acordo com a teoria de Mises:
O torturado, sob esse aspecto, é livre na medida em que pode escolher sair da prisão e viajar para um país longínquo em que possa viver com segurança, sem fornecer qualquer informação desejada pelo torturador. Embora possa escolher o fim (por-se a salvo) e o meio (viajar ao exterior), contudo, não o pode realizar. [Mance, Euclides A., "Questões éticas no mundo globalizado", Novembro, 1998]
É de se esperar que Mises e os austríacos não tolerem a violência (a não ser, talvez, como forma de preservação de uma liberdade que a preceda). No entanto, a hipótese lançada por Mance usa uma condição, ou um contexto, de extrema coerção e negação da liberdade tão somente para mostrar quão absurda é a afirmativa de Mises de que "o homem é livre na medida em que pode escolher seus fins". Colocando a afirmativa à prova dentro deste contexto extremo, fica evidente que o homem nuca será livre quando não existirem modos de ação alternativos possíveis para atingir determinado fim, ou em outras palavras: "não se pode escolher o que não é possível realizar" (Mance, 1998). A liberdade somente se realiza quando inserida dentro de um contexto onde a mesma é exercida, submetida aos diferentes modos de ação alternativos possíveis em uma situação concreta. É inegável que a liberdade pressupõe uma dimensão subjetiva de avaliação de opções, no entanto, sem a possibilidade material de escolha, dentro de diferentes contextos, nas palavras de Mance: "haverá pouca diferença entre liberdade e fantasia".
Por outro lado, as leis naturais não podem ser consideradas como portadoras da capacidade de restringir as liberdades do homem, pois tais leis são inferidas pelo homem a partir de propriedades recorrentes da natureza, e ao aprimorar seus conhecimentos sobre a natureza, ao interferir sobre ela e escapar de suas interferências, mais o homem se torna livre -- ao inferir, experienciar e estudar a natureza, o homem aprende com ela, e se liberta.
Sobre a revolução ideológica doutrinária dos economistas liberais
(...) Ah, poder exprimir-me todo como um motor se exprime!
Ser completo como uma máquina!
Poder ir na vida triunfante como um automóvel último-modelo!
Poder ao menos penetrar-me fisicamente de tudo isto,
Rasgar-me todo, abrir-me completamente, tornar-me passento
A todos os perfumes de óleos e calores e carvões
Desta flora estupenda, negra, artificial e insaciável! (...)
Extraído do poema "Ode Triunfal", de Álvaro de Campos (heterônimo de Fernando Pessoa)
Nos "ensina" Mises que:
Esses rabugentos não chegam a perceber que o tremendo progresso da tecnologia de produção e o consequente aumento de riqueza e bem estar só foram possíveis graças à adoção daquelas políticas liberais que representavam a aplicação prática dos ensinamentos da economia. (...). O que é comumente chamado de “revolução industrial” foi o resultado da revolução ideológica efetuada pelas doutrinas dos economistas. Foram eles que explodiram velhos dogmas: que é desleal e injusto superar um competidor produzindo melhor e mais barato; que é iníquo desviar-se dos métodos tradicionais de produção; que as máquinas são um mal porque trazem desemprego; que é tarefa do governo evitar que empresários fiquem ricos e proteger o menos eficiente na competição com o mais eficiente; que reduzir a liberdade dos empresários pela compulsão ou coerção governamental em favor de outros grupos sociais é um meio adequado para promover o bem estar nacional. A economia política inglesa e a fisiocracia francesa indicaram o caminho do capitalismo moderno. Foram elas que tornaram possível o progresso decorrente da aplicação das ciências naturais, proporcionando as massas benefícios nunca sequer imaginados. (...) As pessoas tornaram-se prisioneiras da falácia segundo a qual o progresso nos métodos de produção foi contemporâneo à política de laissez-faire apenas por acidente. (...) Iludidos pelos mitos marxistas, consideram o estágio atual de desenvolvimento como o resultado da ação de misteriosas “forças produtivas” que não dependem em nada de fatores ideológicos. A economia clássica, estão convencidos, não foi um fator no desenvolvimento do capitalismo, mas, ao contrário, foi seu produto, sua “superestrutura ideológica”, foi uma doutrina destinada a defender os interesses espúrios dos exploradores capitalistas.
[Ibid, pags. 29 e 30]
Mises comete aqui vários erros interpretativos e distorções. Inicia com uma grosseria desnecessária e vulgar ao denominar de "rabugentos" os que faziam críticas aos excessos do sistema capitalista da época. Como Mahatma Gandhi disse sobre a potência em voga, a Inglaterra: "O mundo não suportará o desgaste necessário para se construir outra Inglaterra".
Refere-se a "mitos marxistas", e explica que os tais "mitos" seriam considerar o estágio de desenvolvimento como resultado da ação de misteriosas "forças produtivas". Como se tais críticos, não só marxistas mas também anarquistas e outros, fossem pessoas tolas e ingênuas, que acreditam em forças misteriosas... A crítica destes "rabugentos" apontava para origens muito mais concretas para a emergência destas forças produtivas.... Veremos à frente. Mises no entanto, credita a emergência destas "forças produtivas" à "fatores ideológicos" ou às doutrinas dos economistas liberais. É evidente que trata-se de um engodo calculado de Mises... Discutir o que nasceu primeiro nos conduz ao velho dilema "ovo-galinha", o que veio primeiro?
Aristóteles foi provavelmente o mais importante filósofo que primeiramente lidou com a questão econômica. Os árabes medievais também fizeram contribuições para a compreensão da economia. Mais tarde os precursores do oeste da economia, engajaram-se nos debates da teologia escolástica durante a idade média. Um importante tópico de discussão foi a determinação do preço justo de um bem. Nas guerras religiosas seguindo a Reforma protestante no século XVI, ideias sobre livre comércio apareceram, mais tarde formuladas em termos legais por Hugo de Groot ou Grotius. Com o início das grandes navegações, no século XV os europeus passam a explorar intensivamente o globo terrestre em busca de novas rotas de comércio. Do localismo da Idade Média, os senhores feudais em declínio, novas estruturas econômicas nacionais começaram a se fortalecer. Novas e poderosas monarquias queriam um estado poderoso para aumentar seu status. Surge daí o mercantilismo, um movimento político e uma teoria econômica que defendia o uso do poder militar para assegurar mercados locais e proteger as fontes de matérias-primas. A escola fisiocrática, surgiu no século XVIII e é considerada a primeira escola de economia científica. Os fisiocratas consideram o sistema econômico como um "organismo" regido por leis intrínsecas (pela ordem natural das coisas), sendo elas assim, cientificamente relevantes. Contudo, acreditam que, ao contrário das leis da natureza, (que apesar de inferidas pelo homem são aceitas epistemologicamente) as leis intrínsecas fisiocráticas não podem ser quebradas, sendo que as sociedades podem distanciar-se da ordem natural que deveria reger os sistemas econômicos. Assim, o discurso fisiocrático aponta para um teórico ápice natural da economia, onde quem se opõe a ele fatalmente cairá em erro. A escola clássica (Adam Smith), que se opunha ao mercantilismo, tomou conceitos dos fisiocratas como ponto de partida, e tinha dentre seus principais conceitos o individualismo metodológico e jurídico, liberdade de pensamento, liberdade religiosa, direitos fundamentais, estado de direito, governo limitado, ordem espontânea, propriedade privada, e livre mercado. [dados obtidos a partir de verbete "História do pensamento econômico" do wikipedia]
Assim as políticas liberais (ou doutrinas dos economistas - nas palavras do prórpio Mises) surgiram e se firmaram juntamente (como resposta/estímulo ou suporte/insumo) ao que vinha sendo praticado e adotado pelas nações dominantes da época. Tal como credos, mitos e religiões, tais doutrinas foram sendo adotadas, concomutantemente ao processo, e foram sendo elaboradas, institucionalizadas e lelagizadas pelos déspotas esclarecidos das nações imperialistas da época, atendendo às demandas dos mercadores, aristocratas, comerciantes e, posteriormente industriais, os quais, de uma forma ou de outra já às vinham praticando e impondo.
O acidente que originou o progresso
(ou o detalhe que Mises esqueceu de mencionar)
Porém o autor se esqueceu de algo muito mais relevante, ou crucial: os processos de colonização. Apesar de a origem do colonizador ser espanhola, portuguesa, holandesa, francesa ou inglesa, e de haver maior ou menor presença indígena ou negra na população --- em todas as nações se edificaram sociedades constituídas para servir de alimento, matéria prima e "matéria humana", a partir das atrocidades do regime escravo... em primeiro lugar para a acumulação mercantil, e depois para as fornalhas da Revolução Industrial Inglesa(). Este incalculável e abismal salto material proporcionado pelas colônias estimulou, facilitou e, principalmente, custeou o desenvolvimento industrial subsequente, e também propiciou, direta ou indiretamente, tanto a Revolução Americana de 1776, quanto a famosa Revolução Francesa de 1789 – esta mais burguesa do que a americana. Aí, e principalmente aí, residem as origens muito mais concretas para a emergência das "misteriosas forças produtivas". Aí reside o acidente que originou o progresso nos métodos de produção e a política laisses-faire. "Acidente" que Mises enfaticamente e declaradamente omite em seu tratado. Na visão de Mises e seus seguidores todos os territórios estavam à disposição das nações imperialistas em sua busca por oportunidades lucrativas de investimento:
Nas condições prevalecentes no final do século XIX, pouco importava se uma nação estava ou não preparada e equipada com o capital necessário para utilizar adequadamente os seus recursos naturais. O acesso aos recursos naturais de qualquer região era praticamente livre. Na sua procura de oportunidades lucrativas de investimento, os capitalistas e promotores não eram detidos pelas fronteiras nacionais. No que dizia respeito à melhor utilização possível dos recursos naturais conhecidos, a maior parte da superfície terrestre podia ser considerada um sistema de mercado mundialmente integrado. É verdade que, em algumas áreas, como nas Índias Orientais inglesas e holandesas e na Malásia, este resultado só pôde ser alcançado por regimes coloniais; provavelmente os governos autóctones desses territórios não conseguiriam criar uma base institucional indispensável à importação de capital. [Ibid, p. 578, 579]
Portanto, "pouco importava" a situação daqueles povos, sua etnia, idioma, cultura, história, hábitos e crenças. O importante era "utilizar adequadamente os seus recursos naturais", para os quais o acesso era praticamente livre aos evoluídos capitalistas, para se extrair tanto quanto possível, no menor tempo possível, lucrando o máximo possível, visto que "a maior parte da superfície terrestre podia ser considerada um mercado mundialmente integrado". Sendo os regimes coloniais tão somente um recurso adicional necessário e inevitável na obtenção desta finalidade.
Em seu livro "Veias Abertas da America Latina", Eduardo Galeano nos oferece um ponto de vista diferente em relação aos regimes coloniais implantados na América Latina:
Para os que concebem a História como uma disputa, o atraso e a miséria da América Latina são o resultado de seu fracasso. Perdemos; outros ganharam. Mas acontece que aqueles que ganharam, ganharam graças ao que nós perdemos: a história do subdesenvolvimento da América Latina integra, como já se disse, a história do desenvolvimento do capitalismo mundial. Nossa derrota esteve sempre implícita na vitória alheia, nossa riqueza gerou sempre a nossa pobreza para alimentar a prosperidade dos outros: os impérios e seus agentes nativos. Na alquimia colonial e neo-colonial, o ouro se transforma em sucata e os alimentos se convertem em veneno. Potosí, Zacatecas e Ouro Preto caíram de ponta do cimo dos esplendores dos metais preciosos no fundo buraco dos filões vazios, e a ruína foi o destino do pampa chileno do salitre e da selva amazônica da borracha; o nordeste açucareiro do Brasil, as matas argentinas de quebrachos ou alguns povoados petrolíferos de Maracaibo têm dolorosas razões para crer na mortalidade das fortunas que a natureza outorga e o imperialismo usurpa. A chuva que irriga os centros do poder imperialista afoga os vastos subúrbios do sistema. Do mesmo modo, e simetricamente, o bem-estar de nossas classes dominantes - dominantes para dentro, dominadas de fora - é a maldição de nossas multidões, condenadas a uma vida de bestas de carga. [Galeano, 1971].
Segundo Roberto Simonsen, em "História Econômica do Brasil" [Simonsen, 1937], somente no Brasil, a garimpagem de ouro na então colônia portuguesa extraiu, entre 1691 até 1800, um total de 855 mil quilos de ouro. E ainda, durante mais de 300 anos foram enviados à metrópole: minérios, madeira, pedras preciosas, impostos, e toda sorte de riquezas. Some-se a isso tudo que foi 'sangrado' das demais colônias na América do Sul, África, América do Norte, Ásia e Oceania. Portanto o que é comumente denominado de "revolução industrial" não foi (nem de longe) somente o "resultado da revolução ideológica efetuada pelas doutrinas dos economistas".
[Os grandes líderes imperialistas definindo a partilha de suas colônias
fonte: http://seculoxx.wordpress.com/2009/09/05/colonizacao-e-descolonizacao-da-africa-e-asia/]
Em nenhum ponto de todo seu tratado, de mais de mil páginas, Mises admite, e nem sequer menciona, o vultuoso acúmulo de riquezas proporcionado pelas extrações de recursos engendrado pelas metrópoles sobre as colônias através do processo colonização, pelo contrário, alega num tom lamurioso sobre a independência destas colônias:
Mesmo nações que, sem qualquer violação de sua soberania política, se beneficiaram do capital estrangeiro estão obcecadas pela ideia de livrarem-se do que chamam de jugo dos capitalistas estrangeiros. Usam diversos artifícios para expropriar os estrangeiros. [Ibid, p. 578]
E em outro ponto apela para a 'indefectível' isenção de culpa dos povos de raça branca ao processo de colonização adotado sobre os países orientais, (principalmente pelo império britânico através da Companhia Britânica das Índias Orientais, uma organização formada por mercadores londrinos que durante dois séculos e meio foi detentor dos privilégios comerciais na Ásia em um império centrado na Índia):
Não se pode imputar às potências européias a pobreza existente nas suas antigas colônias. Ao investir capital, os estrangeiros fizeram o que lhes era possível para melhorar o bem-estar material. Não é culpa da raça branca o fato de que os povos orientais sejam relutantes em abandonar seus mitos tradicionais e rejeitem o capitalismo por ser uma ideologia alienígena. [Ibid., p. 944]
Ficamos sem entender qual 'capital' o autor se refere ter sido "investido" pelos estrangeiros de raça branca para melhorar o bem-estar material dos povos orientais...... Sabemos muito bem do contrário, ou de todo histórico de dominação, exploração, violência e extração de recursos investidos por estes "estrangeiros" sobre os "relutantes em abandonar seus mitos tradicionais" indianos e demais povos colonizados. É evidente que muitos aspectos positivos podem ser apontados "em favor do sistemático despotismo esclarecido dos burocratas utilitaristas que construíram o domínio britânico neste período." [Hobsbawn, "A Era das Revoluções – 1789 - 1848", 1962]. Graças a suas políticas e práticas, verificou-se um grande desenvolvimento para os serviços públicos, eficiência administrativa, uma legislação de confiança e um governo sem corrupção nos altos escalões. Mas, em termos humanitários, e também “economicamente, fracassaram da maneira mais sensacional. De todos os territórios sob administração de governos europeus (...), a Índia era o que se via perseguido pelas epidemias de fome mais gigantescas e mortíferas" [Hobsbawn, 1962]. Abordaremos sobre a defesa da isenção de culpa da "raça branca" mais a frente neste texto, em capítulo a parte.
O fim de “velhos dogmas” e o início de uma “guerrinha”
As principais bases materiais e ideológicas de uma sociedade industrial tinham sido lançadas, "como quase certamente já acontecera na Inglaterra de fins do século XVIII, [e a partir daí] duas coisas eram necessárias: primeiro, uma indústria que já oferecesse recompensas excepcionais para o fabricante que pudesse expandir sua produção rapidamente, se necessário através de inovações simples e razoavelmente baratas, e, segundo, um mercado mundial amplamente monopolizado por uma única nação produtora." [Hobsbawn, 1962]. A Inglaterra se elevava como o império dominante, porém tais "bases" eram comums a todas as nações imperialistas que enriqueceram e prosperaram a partir das riquezas extraídas das colônias, e depois comercializaram entre sí, e com as demais nações -- que aos poucos se tornavam independentes -- os produtos manufaturados a partir das indústrias que emergiram no processo. Este modus operandi consolidou e solidificou as doutrinas econômicas da economia política criticada por Engels em seu texto "Esboço de Uma Crítica da Economia Política":
A economia política surgiu como consequência natural da expansão do comércio e, com ela, um elaborado sistema de fraudes consentidas, uma completa ciência a favor do enriquecimento substituiu a troca simples, não científica. [Engels, 1844]
De qualquer forma, o fato é que a tal "revolução ideológica" não ocorreu abruptamente, como o termo pode fazer crer, porém, sua consolidação consagrou métodos e práticas globais de expropriação e pilhagem que já vinham sendo praticados há tempos por estas nações imperialistas - principalmente a Inglaterra Vitoriana. Mises, ao negar, ou simplesmente omitir tais fatos, mostra uma evidente tentativa "alienígena" de, falaciosamente, evidenciar as tais contribuições das políticas liberais, através das milagrosas doutrinas econômicas, em detrimento da, muito mais importante e decisiva, contribuição material dos processos de colonização.
["Operários" óleo sobre tela, Tarcila do Amaral, 1933]
Existe a pergunta incômoda e capiciosa que poderia ser feita: A revolução industrial teria ocorrido sem o aporte material extraído das colônias? Evidentemente que não, com a mesma intensidade, magnitude e extensão, porém "máquinas" seriam criadas, "processos" seriam elaborados, mas numa outra dinâmica, impossível de se imaginar, porém, e certamente menos desumana e destruidora.
Os "velhos dogmas" que foram dinamitados pela "revolução ideológica" representam, em suma, a superação do sistema tradicional artesanal e manual – superação esta que era inevitável e premente, dada a explosão provocada pela grande riqueza proporcionada pela extração do excedente das colônias, e a concomitante emergência de novas tecnologias (p.e.: máquina a vapor, métodos e processos de produção, comércio internacional, etc). No entanto, somente vozes ingênuas gritavam contra máquinas e métodos e a favor de protecionismo do Estado. O que efetivamente se criticava era o caráter excludente e coercivo do sistema que se iniciava, onde a verdadeira e autêntica livre-iniciativa foi minada pelos que vinham acumulando riquezas e adquirindo a galope os meios de produção que vinham emergindo da nova "técnica a vapor" e seus co-derivados / semelhantes.
O progresso era inevitável? Sim! E nenhum crítico assaz e inteligente o negava. Porém, quantas pessoas criativas e de espírito livre e inquieto não foram calados e apagados dentro dos barracões sombrios das novas fábricas de chaminé -- os “moinhos satânicos” de William Blake() ??? Quantas inovações tecnológicas deixaram de nascer destas mentes criativas que se viram aprisionadas e impedidas de exercer sua liberdade criativa plena neste movimento coercivo e aprisionador de liberdades? Esta revolução representou a transição de um mundo onde tempos e métodos eram fruidos e vividos intensamente, um mundo duro e cheio de amarguras, mas também doce, à sua maneira. Um mundo de mestres artesãos e seus aprendizes, suas oficinas e ofícios, seu artesanato... Este mundo foi atropelado pelas máquinas a vapor, suas fábricas e processos manufatureiros enfileirados. Aí nasceu um novo pensar, um novo ser, o homo-faber, um ser violentado em seu corpo, um ser aprisionado e alienado.
No prefácio à edição brasileira de seu livro "Nostalgia do Mestre Artesão", Antonio Santoni Rugiu escreveu o seguinte, ao comentar sobre a vivacidade dos trabalhos artesanais (ênfases deste autor):
Não digo isso para fazer publicidade de um tipo de produção que poderíamos dizer pobre (economicamente) mas, claro, rica esteticamente; ao contrário, para procurar demonstrar que ela subentende uma antiga cultura no povo que é seu criador, transmitida por séculos e talvez por milênios, e que exprime não só um modo de operar, uma habilidade manual refinada e uma inspiração artística importante, bem como para lembrar (...) que ela testemunha com sua tradição, através quem sabe quantas gerações, uma antiga pedagogia que ensinava a produzir as coisas de um certo modo, mas também transmitia um comportamento humano no privado e social, em resumo, uma visão de mundo.
Aquela pedagogia era relativa a um modo de formar novas gerações que, dada a pequena minoria que seguia os estudos e, ao contrário, a grandíssima maioria dedicada ao trabalho manual, prevaleceu ao menos até há alguns séculos atrás. Depois, sob impulso da indústria, do desenvolvimento terciário comercial e do consumismo de massa, foi rapidamente diminuindo, para confirmar a posição tradicionalmente afirmada pelas classes dirigentes: que a verdadeira educação e a verdadeira instrução são unicamente aquelas que se assimilam através do exercício e do aprendizado intelectual, estudando-se os livros e escutando-se a voz do mestre nas cadeiras das escolas ou da universidade, e não sujando as mãos, por assim dizer, produzindo objetos materiais nas escuras e talvez mal-cheirosas "oficinas" (como antigamente se chamavam na Itália os laboratórios artesanais).
Se a pedagogia do "aprender-fazendo" é tão antiga quanto os primeiros artesãos e afunda suas origens (...) na era neolítica (as primeiras pedras sempre mais finamente trabalhadas para delas extrair ferramentas do trabalho agrícola ou armas para combater, e até objetos decorativos e ornamentais, não eram talvez fruto de uma pedagogia muitíssimo válida?), é quase tanto quanto antigo o desprezo que ela encontrou junto ao saber do homem livre (livre da necessidade de trabalhar para viver) e o segundo, ao contrário, do trabalhador cujos prórpios deuses haviam marcado na sociedade uma posição claramente inferior. [Rugiu, 1998]
É importante anotar aqui que a pedagogia antiga do "aprender-fazendo" de que Rugiu lamenta a perda, carrega grandes similaridades com as propostas construtivistas mais recentes, onde não se nega, obviamente, a importância da educação dita "formal", mas se defende um enfoque diferenciado, no qual o desenvolvimento humano é obtido a partir das ações mútuas entre indivíduo e meio, tema que será abordado em maiores detalhes mais à frente. Aqui, deve-se enfatizar que, em vista das liberdades ceifadas no processo ideológico-produtivo da revolução industrial, a verdadeira elevação humana foi negada. A liberdade do homem foi relegada ao plano ideológico no novo mundo que nascia. O discurso prometia riquezas e benefícios nunca antes imaginados, e que nunca foram obtidos.... só imaginados.
O que se negava e criticava, que fique bem claro, não era o progressismo positivo desta transformação, mas sim suas consequências nefastas aos que foram sujeitados a ela de forma abrupta e incondicional. O que se propunha não era a proteção aos ineficientes e a negação de liberdades, mas simplesmente a afirmação verdadeira e universal da liberdade para todos, e a favor de todos.
Outra crítica ignorada e negada pelos anunciadores de riqueza, e talvez a mais importante, foi a iminência de uma "explosão" muito mais destrutiva, em vista dos acirramentos provocados pelas disputas mercantilistas.
De acordo com a análise de Mises:
Na realidade, a internacionalização do mercado de capitais, juntamente com o livre comércio e a liberdade de migração, foram meios eficazes para suprimir os incentivos econômicos que conduziram à guerra e à conquista. Já não importava ao homem as fronteiras políticas de seu país. Para o empresário e para o investidor, elas não existiam. As nações que antes da Primeira Guerra Mundial lideravam os empréstimos e investimentos estrangeiros eram precisamente as que estavam comprometidas com as ideias do liberalismo pacifista e “decadente”. [Mises, 1996]
Fica um tanto indigesta, contraditória, absurda e até hilária, a explicação de que "investimentos estrangeiros" feitos por empresários e investidores que não se importavam com "fronteiras políticas" fossem comprometidos com "idéias pacifistas", os quais suprimiram "incentivos econômicos que conduziram à guerra e à conquista".... Sim! Tais incentivos econômicos foram devidamente suprimidos pelos empresários e investidores pacifistas, e o que tivemos em contrapartida foi somente uma "guerrinha" besta
en passant....
De fato, o que se viu, foi a busca frenética e ensandecida por novas áreas para colonizar e descarregar os produtos maciçamente produzidos pela Revolução Industrial o que produziu uma acirrada disputa entre as potências industrializadas, causando diversos conflitos e um crescente espírito armamentista que culminou, mais tarde, na eclosão da Primeira Guerra Mundial entre 1914 e 1918. A manutenção da paz no período que antecedeu a primeira guerra mundial foi obtida por meio de interesses organizados, onde as nações subordinavam a paz à segurança e soberania, com intentos que não podiam ser alcançados a não ser recorrendo-se a meios drásticos. De acordo com Karl Polanyi, em seu livro "A Grande Transformação":
Enquanto na primeira parte do século [XIX] o constitucionalismo foi banido e a Santa Aliança suprimiu a liberdade em nome da paz, durante a outra metade e novamente em nome da paz - as constituições foram impingidas a déspotas turbulentos por banqueiros de visão comercial. Assim, sob as formas variadas e ideologias mutáveis - às vezes em nome do progresso e da liberdade, às vezes pela autoridade do trono e do altar, às vezes graças às bolsas de valores e aos livros de cheque, às vezes por corrupção e suborno, às vezes por argumentos morais e apelos iluministas, às vezes à custa de bordoadas e de baionetas - o resultado conseguido era sempre o mesmo, e a paz foi preservada.
(...)
Os que apoiavam o novo "interesse pela paz" eram, como de hábito, aqueles que mais se beneficiavam com ela, isto é, aquele cartel de dinastias e feudalistas cujas posições patrimoniais eram ameaçadas pela onda revolucionária de patriotismo que avassala o continente. Desta forma, por um período aproximado de um terço de século, a Santa Aliança forneceu a força coerciva e o ímpeto ideológico necessário a uma política de paz atuante; seus exércitos percorriam a Europa em todas as direções, esmagando minorias e reprimindo maiorias. [Polanyi, 2000]
A economia política inglesa e a fisiocracia francesa "ajustaram" o caminho para o capitalismo moderno. E o que as massas obtiveram foi algo realmente nunca antes imaginado: uma guerra sangrenta de proporções mundiais que fulminou a chumbo e ferro 19 milhões de pessoas.
[Impérios coloniais do ocidente em 1914, fonte: wikipedia]
Para confirmar o quanto estes acirramentos estavam "aquecidos" basta verificar a distribuição das colônias pelo globo na iminência da primeira Guerra, em particular a verdadeira "colcha de retalhos" em que foi transformada a África, onde povos, culturas e etnias foram massacrados, divididos e eliminados, tanto fisicamente como economicamente, em nome das práticas mercantis que viam estes povos somente como peças obstruentes á sua ganância expansionista.
Portanto, o que faltou aos europeus de "raça branca" nos processos de colonização foi um pouco de (ou muita) humildade e senso de solidariedade étnica. Pois, nestes processos já não se tratava mais de invasões e disputas territoriais entre povos e grupos vizinhos, que eram violentas e impositórias, porém locais, e não raro, povos invasores mantinham, preservavam, respeitavam e até assimilavam aspectos culturais, técnicos, míticos e étnicos dos conquistados. Tais alegações podem ser vistas como um "romantismo" primitivista ingênuo, no entanto, de fato, os processos de colonização consistiam em imposições ideológico-culturais violentas e unilaterais, de extensão e abrangência global. Portanto, no lugar desta "arrogância ditatorial" de impor aos povos "relutantes em abandonar seus mitos tradicionais" tanto as "doutrinas dos economistas" liberais (nos processos tardios) como a visão mercantilista "europeia" de mundo (nas primeiras colonizações), poderiam simplesmente sugerir suas ideologias, doutrinas e métodos, e prosseguir na base da troca múltua, de forma cooperativa, visto que tais povos tiveram caminhos e tempos evolutivos diversos, e queriam simplesmente seguir suas vidas em paz, e certamente teriam muito a oferecer (e ensinar) aos povos de "raça branca", como se viu.
Sobre ação propositada e reação animal
e sobre os pré-requisitos da ação humana
"Ser empático é ver o mundo com os olhos do outro e não ver o nosso mundo refletido nos olhos dele"
Carl Rogers
Vejamos alguns trechos do tratado de Mises (ênfases deste autor):
"o tema da praxeologia é a ação como tal." [p. 36]
"ação é a manifestação da vontade humana." [p. 36]
"o agente homem escolhe, determina e tenta alcançar um fim" [p. 36]
"O incentivo que impele o homem à ação é sempre algum desconforto. Um homem perfeitamente satisfeito com a sua situação não teria incentivo para mudar as coisas. Não teria nem aspirações nem desejos; seria perfeitamente feliz. Não agiria; viveria simplesmente livre de preocupações. " [p. 38]
"Mas, para fazer um homem agir não bastam o desconforto e a imagem de uma situação melhor. Uma terceira condição é necessária: a expectativa de que um comportamento propositado tenha o poder de afastar ou pelo menos aliviar o seu desconforto. Na ausência desta condição, nenhuma ação é viável. O homem tem de se conformar com o inevitável. Tem de se submeter a sua sina." [p. 38]
Tais trechos selecionados não foram reunidos de forma a distorcer ou conduzir a uma conclusão diferente da que Mises tenciona em seu tratado. Pelo contrário, evidenciam a base argumentetiva de Mises, a qual nos conduz e aprisiona a um evidente ciclo vicioso: o tema da praxeologia é a ação humana, a qual é a manifestação de uma vontade, onde o agente homem determina e tenta alcançar um fim, a partir da (sob a condição da) expectativa de que um comportamento propositado, incentivado por um desconforto, a ser aliviado, viabilize a ação humana,.... que é a manifestação de uma vontade...... assim ad eternum....
Fica evidente a armadilha retórica que o autor usa na defesa de sua teoria geral da ação humana, cujo tema é a praxeologia. Com base nesta argumentação falha e redundante, Mises "parte do pressuposto formal e filosoficamente frágil, de que o conhecimento cientificamente válido é o que resulta de um único modelo não contraditório, e que, portanto, não permita ambivalência.
[O Ciclo Vicioso de Mises]
Ele não aceita que modelos divergentes e contraditórios possam simultaneamente produzir conhecimentos válidos sobre um mesmo fenômeno" [Mance, 1998], sendo que imediatamente desqualifica e nega qualquer influência psicológica, social, biológica-evolutiva ou histórica que possam de alguma forma explicar, compreender ou mesmo influenciar direta ou indiretamente as ações humanas. Para o autor, somente seu modelo falho e redundante da análise praxeológica é o correto, e tudo que possa contradizê-lo é incorreto e irracional. Ainda, na tentativa de explicar o raciocínio cíclico e redundante de sua tese, Mises argumenta que (ênfases deste autor):
Temos consciência de que ao fazer esta afirmativa, estamo-nos movendo num círculo. Porque a evidência de que percebemos corretamente uma relação causal só é estabelecida quando a ação guiada por este conhecimento conduz ao resultado esperado. Mas não podemos evitar este círculo vicioso precisamente porque a causalidade é um requisito da ação. [Ibid, p. 48]
Portanto, a saída de Mises de seu auto-declarado e assumido círculo vicioso praxeológico da ação humana é apelar para a causalidade. Ora, causalidde é a relação entre causa e efeito, os quais seriam dois eventos distintos, porém interligados. No entanto, abordar sobre a causalidade de um fenômeno, ou recorrer a ela, requer sua inteligibilidade, e para isso, Mises toma o modelo da teleologia em sua explicação afirmativa e unilateral para eventos causais, vejamos:
O homem só dispõe de dois princípios para apreensão mental da realidade: a teleologia e a causalidade. O que não puder ser colocado em qualquer destas duas categorias é inacessível à mente humana. (...) Uma mudança pode ser concebida como consequência de uma causalidade mecanicista ou de um comportamento propositado; para a mente humana, não há outra hipótese disponível. [Ibid, p. 50].
No entanto, pode-se verificar que a teleologia, também chamada de causa final, é a explicação de algo pela finalidade para a qual esse algo foi construído. Tal explicação compreende um entendimento aristotélico da causalidade, o qual foi predominante no pensamento ocidental durante quase dois mil anos, até o renascimento e o iluminismo. Neste modelo, toda explicação causal se baseia na idéia de causalidade linear (mecanisista), que vê todo efeito como já estando completamente presente na causa que o precedeu, que por sua vez é efeito de outra causa anterior e assim por diante. A determinação é portanto colocada no passado, numa única linha ou cadeia causal totalmente explicada pelas condições iniciais do universo que teria sido posto em movimento por um primeiro motor imóvel, uma causa sem causa. Esse motor imóvel também era considerado o responsável pela existência de ordem no universo, ao colocar causas finais (teleologia) em cada evento que surge na cadeia causal. Tal racioncínio, Mises afirma categoricamente ser o único acessível à mente humana.
No entanto, é evidente que a ciência e a compreensão dos fenômenos e eventos causais evoluíram muito desde a metade do século passado (quando surgiu a primeira edição do livro de Mises), e mesmo à época tal modelo teleológico já era considerado falho. Atualmente, a idéia de causalidade é a de causalidade complexa, segundo a qual nem todo efeito está totalmente contido na causa anterior, isto é, que o próprio efeito pode simultaneamente interagir (causalmente) com outros efeitos, podendo inclusive acarretar um nível de realidade diferente do nível das causas anteriores. Desde o fim do iluminismo, a idéia de causalidade linear tende a ser considerada insuficiente para explicar a maioria dos fenômenos que envolvem a ação humana, os quais se provaram melhor explicáveis por vários outros modelos de causalidade, como por exemplo, os modelos de Gatilho, Efeito Dominó, Retroalimentação, Efeito Borboleta, Emergência, Salto de Qualidade, Implicação Recíproca ou Interação, etc. Portanto o modelo afirmativo de Mises de casualidade é incoerente e inconsistente, mesmo para as idéias vigentes à sua época. Fica tácita a intenção do autor em justificar ou validar conclusões posteriores baseando-se em seu modelo circular falho e inconsistente.
Sobre as pontes que Mises não viu
(ou não quis ver)
Após defender os argumentos de sua tese falha do circulo vicioso da ação humana praxeológica, e com base nesta tese, Mises passa na sequência de seu tratado a desferir ataques contra outras ciências, que ele agrupa genericamente, em "empirismo, behaviorismo e positivismo". Diz que tais ciências "querem aplicar à realidade da ação humana os métodos empíricos das ciências naturais." [Ibid, p. 51]. Alegando que, tão logo o comportamento passa dos "simples processos fisiológicos (...) [o mesmo] só pode ser investigado com a ajuda dos conceitos desenvolvidos pela praxeologia". E alega ainda que:
Várias doutrinas têm sido formuladas para explicar a relação entre corpo e mente. São meras conjecturas sem qualquer referência a fatos reais. Tudo o que se pode afirmar com certeza é que existem relações entre processos mentais e fisiológicos. Quanto à natureza e ao funcionamento desta conexão, sabemos muito pouco, se é que sabemos alguma coisa.(...) A razão e a experiência nos mostram dois mundos diferentes: o mundo exterior dos fenômenos físicos, químicos e fisiológicos e o mundo interior do pensamento, do sentimento, do julgamento de valor e da ação propositada. Até onde sabemos hoje, nenhuma ponte liga esses dois mundos. [Mises, 1996, pg. 42]
(...)
Há também a etnologia e a antropologia, desde que não seja uma parte da biologia, e há ainda a psicologia enquanto não seja fisiologia, nem epistemologia, nem filosofia. Existe ainda a linguística, enquanto não seja lógica nem fisiologia do idioma. [Ibid, p. 57]
Com tais afirmações o autor defende claramente a total inseparabilidade dos fenômenos físico-químico-fisiológicos dos valores, pensamentos, sentimentos, e da ação propositada do homem. No frigir dos ovos, trata-se da dualidade homem/animal, cultura/natureza. E, de fato, até meados dos anos 50, segundo Edgar Morin, em seu livro O Paradigma Perdido: A Natureza Humana, “a vida era concebida como uma qualidade original própria dos organismos; a biologia mantinha-se fechada para o universo físico-químico, recusando-se a reduzir-se a este último; mantinha-se fechada para o fenômeno social, que, embora muito espalhado no reino animal, e até no vegetal, apenas era percebido, por falta de conceitos adequados, sob a forma de tênues semelhanças; (...) por fim, a biologia mantinha-se fechada a todas as qualidades ou faculdades que fossem estritamente para além da fisiologia, quer dizer, a tudo aquilo que, nos seres vivos, é comunicação, conhecimento, inteligência. (...) A vida parecia ignorar a matéria físico-química, a sociedade, os fenômenos superiores. O homem parecia ignorar a vida.” [Morin, 1988] (ênfases deste autor).
Nesta visão, o homem permanece insular, sendo que a filiação que nos liga a uma classe e a uma ordem naturais (mamíferos, primatas) não é vista no sentido de afiliação. "Pelo contrário, o antropologismo define o homem como oposto de animal; a cultura como oposto de natureza; o reino humano, síntese de ordem e de liberdade, opõe-se tanto às desordens naturais (“lei da selva”, pulsões não controladas) como aos mecanismos cegos do instinto; a sociedade humana, maravilha de organização, define-se por oposição aos ajuntamentos gregários, às hordas e aos bandos." [Morin, 1988]. O mundo parecia constituído de três dualidades-estratos sobrepostos, mas não comunicantes: Homem-Cultura; Vida-Natureza; Física-Química.
[O mundo parecia constituido de três dualidades-estratos sobrepostos, mas não comunicantes]
No entanto, tais dualidades esbarram contra toda evidência: o homem não é, de forma alguma, constituído por duas camadas sobrepostas, uma bionatural e outra psicossocial - nada separa sua parte humana de sua parte animal. Diferente do que Mises alega, as pontes que interligam tais estratos existem e sempre existiram, sendo que sua compreensão, limitada por uma visão viciada, e pela falta de conceitos adequados, não permitia (e mesmo hoje ainda dificulta) enxerga-las. Desde o início da década de 50, e até antes, a ciência tem evidenciado as "pontes" que operam em tais paradigmas. A cibernética de Wiener, a teoria da informação de Shannon, além dos estudos sobre o comportamento de Piagett, Vygotsky e outros deram os primeiros passos na solidificação da conexão bio-psico-social humana [Morin, 1988]. O "salto para baixo" tem início a partir da descoberta da estrutura química do código genético (Watson e Crick). Consolidou-se denominar esta abertura da biologia para baixo de "revolução biológica".
Inicialmente tal abertura físico-química aparentava afastar ainda mais a biologia da realidade humana. No entanto, a nova biologia "teve de recorrer a princípios de organização que eram desconhecidos da química (...). Todas estas noções têm um caráter cibernético, na medida em que identificam a célula com uma máquina autocomandada e controlada informacionalmente." [Morin., 1988]. Tal noção causou grande impacto, porém o reconhecimento de sua importância e sua assimilação em termos epistemológicos não foi imediata, visto que as pessoas, de acordo com Morin "eram mais sensíveis [e até repudiavam] à conotação 'mecânica' [reducionista] do que à conotação organizacional do termo."
A redução dos elementos que compõe a vida à fenômenos físico-químicos entre as décadas de 50 e 60 causou tal impacto que inicialmente não ficou evidenciado que não existe materia viva, mas sim sistemas vivos. Portanto, ainda conforme Morin, "tratava-se de um verdadeiro salto epistemológico (...) em relação à física clássica: a máquina é um todo organizado, que não se pode reduzir aos seus elementos constituintes, os quais não podiam ser corretamente descritos isoladamente, a partir das suas propriedades particulares; a unidade superior (a máquina [o homem, a sociedade]) não se pode dissociar nas suas unidades elementares, mas, pelo contrário, traz a inteligibilidade das propriedades que elas manifestam. Ainda muito mais do que isso, as noções informacionais e cibernéticas não só se referem a máquinas altamente organizadas, como cada uma delas comporta ainda uma conotação antropossociomorfa. Aí reside o aspecto realmente surpreendente desta abertura para “cima”: informação, código, mensagem, programa, comunicação, inibição, repressão, etc., são conceitos extraídos da experiência das relações humanas e pareciam até então indissociáveis da complexidade psicossocial. Não era extraordinário que pudessem aplicar-se a máquinas artificiais, visto que, ao fim e ao cabo, o controle, o comando, o programa, eram produzidos e fabricados pelo homem, integrados nas suas relações sociais.". Era portanto extraordinário conceber esta alta organização na própria origem da vida, como se a célula fosse uma sociedade complexa de moléculas regidas por tais princípios. Ficou evidenciado que células, máquinas, sociedades humanas e o próprio homo-sapiens agem de acordo com princípios organizacionais / informacionais.
No entanto, e mesmo como consequência desta nova compreensão, fica evidente que a visão clássica da física newtoniana era incapaz de fornecer uma noção organizadora que contemplasse a ponte epistemológica necessária para unir adequadamente os paradigmas dos estratos-dualidade. O conceito físico conhecido, a entropia, que indica o "grau de desordem" de um sistema termodinâmico, só podia lidar com a desorganização. A equação de Schrödinger coloca o paradoxo das suposições quânticas, onde, em conseqüência da natureza ondulatória da matéria, um estado qualquer somente pode ser determinado após observado, sendo que antes, nada pode ser afirmado([4]). Com isso, fenômenos quânticos necessitam, para ocorrer, da consciência de um observador. A partir destas conclusões, rompe-se definitivamente com o determinismo clássico linear, e fica aberto o problema da ligação e da ruptura entre entropia e neguentropia, problema esse que foi esclarecido por Brillouin (1962), a partir da noção de informação. Apesar da imediata identificação com desordem, em seu conceito físico mais formal a entropia está associada ao número de microestados acessíveis ao sistema uma vez satisfeitas as restrições impostas ao mesmo. Assim, na termodinâmica, aumentar a desordem, ou seja, a entropia de um sistema significa, de forma similar, dar-lhe condições para que haja um maior número de microestados acessíveis às partículas que o compõem. A teoria da informação diz que quanto menos informações sobre um sistema, maior será sua entropia. Isso remete ao fato de as equações matemáticas para a entropia usarem métodos probabilísticos para serem deduzidas. Sendo assim, quanto maior o número de arranjos possíveis, maior será a entropia. Recentemente, Mahulikar & Herwig (2009) redefiniram a neguentropia termodinâmica como o déficit de entropia específica de um sub-sistema dinamicamente ordenado em relação ao seu entorno. Esta definição permitiu a formulação do Princípio da Neguentropia, o qual foi matematicamente comprovado ser decorrência da 2ª Lei da Termodinâmica, durante a existência da ordem.()
Portanto, a vida e a evolução significavam claramente uma tendência para a organização, para a ordem, e para a complexidade crescentes, isto é, para a neguentropia. Tal questão, ou seja, de que forma a vida tende à ordem e à organização, começou a ser melhor elucidada a partir da teoria de autômatos celulares proposto pelo grande matemático Von Newman (1966) no final de sua vida. Ele criou a teoria sem a ajuda de computadores, construiu os autômatos auto-replicantes primeiro com lápis e papel quadriculado(). A partir deste conceito, uma máquina artificial é composta por partes constitutivas muito mais seguras que as partes constitutivas de um ser vivo, porém, a máquina artificial não pode senão degenerar, ao passo que uma máquina viva é, mesmo temporariamente, não degenerativa e generativa, isto é, capaz de aumentar a sua complexidade. Esta diferença representa uma grande revelação visto que, num motor de automóvel, por exemplo, os riscos de avaria são iguais aos riscos somados de avaria de cada um de seus elementos, enquanto que na máquina viva, "embora seja constituída por elementos pouco seguros (moléculas que se degradam, células que degeneram), é extremamente segura; por um lado, é eventualmente capaz de regenerar, reconstituir, reproduzir, os elementos que se degradam, isto é, pode autoreparar-se, e, por outro lado, é eventualmente capaz de funcionar apesar da “avaria” local; quer dizer, é capaz de realizar os seus fins com os recursos que o acaso lhe proporciona, enquanto a máquina artificial é, quando muito, capaz de diagnosticar o erro e parar em seguida. Ainda mais: enquanto a desordem interna, isto é, em termos de comunicação, o “ruído” ou erro, degrada sempre a máquina artificial, a máquina viva funciona sempre com uma parte de “ruído” e o aumento de complexidade ainda vai aumentar, em vez de reduzir, a parte de ruído que é tolerada. Mais: parece existir, entre certos limiares, uma relação generativa íntima, (...), entre o aumento do “ruído” ou desordem e o aumento de complexidade." [Morin, 1988] (ênfases deste autor).
Novos neurônios em cérebros maduros e neurônios-espelho
Duas descobertas recentes da área da neurociência são surpreendentes neste aspecto. A Neurogênese() e os Neurônios Espelho(). A enorme evolução nas técnicas de imageamento (ex.: Encefalografia por Ressonância Magnética) tem permitido experimentos de alta qualidade e precisão, em termos de repetibilidade e confidência na detecção e visualização, praticamente on-line, de fenômenos neurológicos e afins. A Neurogênese é o processo de formação de novos neurônios no cérebro, acreditava-se que ocorria apenas durante o desenvolvimento do cérebro e que não continuava durante toda a vida, porém estudos feitos recentemente concluíram que a neurogênese ocorre continuamente, sobretudo em determinadas regiões do cérebro, como o hipocampo(), por exemplo, responsável pela memória e aprendizagem. Muitos fatores podem estimular positivamente a taxa de neurogênese no hipocampo, tais como exercícios físicos regulares, tocar instrumentos musicais, exercícios mentais em geral, além de um ambiente estimulante em termos culturais, educacionais e afetivos.
Magnetoencefalografia [wikipedia.org: Magnetoencephalography]
Por outro lado, fatores como estresse, carência afetiva, traumas e outros podem resultar numa diminuição na neurogênese. Diferente das alegadas limitações de tais métodos experimentais --- de que a situação em laboratório é diferente da "vida real", portanto, os resultados seriam "viciados" --- a confirmação experimental de determinados processos neurológicos a partir destas técnicas pode ser feita de forma eficiente e inequívoca visto que tais técnicas de imageamento permitem "ver" o status das mais refinadas estruturas cerebrais antes, durante e depois da ocorrência de determinado fator de controle – ou seja, a partir destas técnicas é possível acompanhar vividamente a evolução e/ou alteração de tais estruturas durante o tempo, a partir de coleta de dados frequentes, e acompanhamento/validação complementar externa – ou fora do ambiente laboratorial.
Os Neurônios Espelho foram primeiramente observados em 1992() e são considerados como uma das mais importantes descobertas da neurociência dos últimos tempos. Atuam tanto quando se realiza uma determinada ação, como quando se observa os semelhantes realizando a mesma ação. Desta forma, os neurônios espelho possibilitam a 'imitação' do comportamento do outro como se estivesse ele próprio realizando aquela ação. As consequências desta descoberta são impressionantes. Cientistas da área da neurociência e da psicologia cognitiva tem constatado que o sistema de neurônios espelho fornece os mecanismos neuro-cognitivo-psicológicos que ligam a representação da percepção e a representação da ação em sí. Existe portanto uma representação compartilhada para a percepção e para a ação. E ainda, ver um evento, ativa a ação associada com tal evento, e realizar uma ação ativa a percepção do evento associado().
Diversos pesquisadores tem comprovado que o sistema de neurônios espelho está diretamente envolvido na empatia, ou no processo de entendimento empático, o qual consiste em perceber corretamente o marco de referência interno do outro com os significados, contextos e componentes emocionais que contém, como se fosse a outra pessoa, porém sem perder nunca essa condição de “como se”. A empatia implica, por exemplo, sentir a dor ou o prazer do outro como ele o sente e perceber suas causas como ele a percebe, porém sem perder nunca de vista que se trata da dor ou do prazer do outro. Se esta condição de “como se” está presente, nos encontramos diante de um caso de identificação(). Pesquisas indicam que a empatia tem uma resposta humana universal, comprovada fisiologicamente. Dessa forma a empatia pode ser tomada como causa do comportamento altruísta, uma vez que predispõe o indivíduo a tomar atitudes altruístas.
Portanto, para não fugirmos de nosso tema presente, fica comprovada a falácia do argumento de Mises que diz:
Uma vez que ninguém tem condições de substituir os julgamentos de valor de um indivíduo pelo seu próprio julgamento, é inútil fazer julgamentos dos objetivos e das vontades de outras pessoas. Ninguém tem condições de afirmar o que faria outro homem mais feliz ou menos descontente. Aquele que critica está informando-nos o que imagina que faria se estivesse no lugar do seu semelhante, ou então está proclamando, com arrogância ditatorial, o comportamento do seu semelhante que lhe seria mais conveniente. [Mises, 1996]
Lembrando o que já foi dito, de que caracterizar uma opinião como um juízo de valor é vago sem a descrição do contexto que a cerca, a ciência mostra a partir dos neurônios espelho, que todo e qualquer ser humano possuí a capacidade inerente de identificar empáticamente os sentimentos do outro, dentro do contexto do outro: sua dor, suas carências, colocando-se, ou melhor, "espelhando-se" em seu lugar. Diversas experiências demonstram a ativação empática em diversos grupos etários, frente a pessoas que exibem sinais de aflição, portanto, se o outro sofre, e eu o vejo sofrer, eu também sofro, e tal empatia não desacopla o sujeito da situação em que este está inserido, visto que compartilhamos (mesmo que momentaneamente) o mesmo meio, as mesmas "regras" sociais, ou seja, a empatia é plena, e não se trata de imposição mas sim de identificação. Complementarmente, quando um indivíduo sente sinais de alívio ou alegria após ter sido ajudado, a pessoa que ajudou pode sentir alegria empática. Uma vez tendo experienciado alegria empática, a pessoa pode sentir-se motivada a ajudar novamente de modo a sentir a alegria empática outra vez.
Em 2007, o filósofo Michael Slote introduziu a teoria da ética do cuidar baseada na empatia. Slote é amplamente reconhecido como uma figura de liderança no campo recentemente renovado da ética da virtude. Ele argumenta que a ética da virtude baseia-se no conceito de uma ética do cuidar (ethics of care), e oferece significativas vantagens intuitivas e estruturais sobre o utilitarismo conforme defendido por Mises, e sobre o senso comum de moralidade. Ele também propõe o ponto de vista da meta-ética () do sentimentalismo moral em oposição ao racionalismo moral. Em seu livro de 2007, The Ethics of Care and Empathy, Slote defende que a motivação moral provém de uma resposta empática. E defende ainda que nossa reação natural à situações de significância moral são explicadas pela empatia, e que os limites e obrigações da empatia, e por sua vez da moral, são naturais. [Slote, 2007]. Portanto, diferente do que diz Mises, independente de juízos de valorestá cientificamente comprovado queatravés dos neurônios-espelho, da empatia e da meta-ética, todo e qualquer indivíduo tem condições de se colocar no lugar do outro e "espelhar" seus sentimentos com o do outro. E de fato isso é feito o tempo todo! Tal condição é básica para que as pesquisas científicas reconheçam a condição de sujeito das pessoas alvo de cada pesquisa, ao invés da relação sujeito-objeto das pesquisas tradicionais, de inspiração positivista.
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Fato é que mesmo seus seguidores mais proeminentes fizeram interpretações ético-morais errôneas acerca do conceito de utilitarismo defendido por Mises. De acordo com o eminente administrador da Mises Academy, e moderador chefe do fórum de discussões da Mises Comunity(), antes de apontar possíveis caminhos ético-morais, como um "filósofo social utilitarista pára-quedista que cai em dilemas éticos", o utilitarismo segundo Mises deve antes "instruir os indivíduos em seus momentos de sóbria reflexão (quando eles não estão pressionados por uma crise urgente) sobre qual arranjo de regras gerais está mais de acordo com seu interesse próprio". No entanto, três importantes considerações devem ser feitas a respeito: [#] Primeiro: como saber, ou determinar os "momentos de sóbria reflexão" dos indivíduos? Mesmo nos dando a dica de que não são os "momentos em que estão pressionados por uma crise urgente", fica vaga e incompleta a determinação pontualista de momentos de reflexão sem considerar o processo construtivo que conduz tal reflexão. [#] Segundo: com base em quais princípios, fundamentos ou parâmetros o utilitarista miseniano pode determinar qual "arranjo de regras gerais" deva ser seguido? [#] E terceiro: de que forma pode ele conhecer quais são os interesses próprios dos indivíduos? Antes de adentrarmos nestes temas, vamos abordar a interpretação de Mises acerca de um tema tão polêmico como atual: a felicidade.
Sobre Felicidade
“A felicidade não é o prêmio da virtude, mas a própria virtude;
e não gozamos dela por refrearmos as paixões,
mas ao contrário, gozamos dela por podermos refrear as paixões.”
Espinosa, Ética V, proposição 42. (tradução Marilena Chauí, em “Os pensadores”)
Em seu tratado, Mises aborda a questão da busca pela felicidade a partir do seguinte ponto de vista:
O conceito segundo o qual o incentivo da atividade humana é sempre algum desconforto e que seu objetivo é sempre afastar tal desconforto tanto quanto possível, ou seja, fazer o agente homem sentir-se mais feliz, é a essência dos ensinamentos do eudemonismo e do hedonismo. A ataraxia epicurista é aquele estado de perfeita felicidade e contentamento que toda atividade humana pretende alcançar sem nunca atingi-lo plenamente. Em face da importância desta percepção, tem pouco valor o fato de que muitos representantes dessa filosofia tenham falhado em reconhecer o caráter meramente formal das noções de “dor” e “prazer” e lhes tenham dado um significado carnal e material. As doutrinas teológicas e místicas, bem como as de outras escolas de uma ética heteronômica, não abalaram a essência do epicurismo porque não puderam levantar outras objeções além de sua negligência em relação aos prazeres “nobres” e “elevados”. É verdade que os escritos de muitos dos primeiros defensores do eudemonismo, do hedonismo e do utilitarismo são, em muitos aspectos passíveis de mal-entendido. Mas a linguagem de filósofos modernos e, mais ainda aquela dos economistas modernos é tão precisa e direta que não deixa margem a equívocos. [Mises, 1996, p. 39]
Enquanto a praxeologia e, portanto, também a economia empregam os termos felicidade e diminuição do desconforto num sentido puramente formal, o liberalismo lhes confere um significado concreto. Pressupõe que as pessoas preferem (...) a abundância à pobreza. Indica ao homem como agir em conformidade com essas valorações. [Ibid, p. 194]
As noções de satisfação total ou de felicidade total são desprovidas de qualquer significado. É impossível encontrar um padrão para comparar os diferentes graus de satisfação ou de felicidade alcançado pelos diversos indivíduos. [Ibid, p. 488]
Para ajudar em nossa interpretação, vejamos a que remetem alguns termos usados por Mises:
- Eudemonismo - O eudemonismo (do grego eudaimonia, "felicidade") é uma doutrina segundo a qual a felicidade é o objetivo da vida humana.
- Hedonismo - O hedonismo (do grego hedonê, "prazer", "vontade") é uma teoria ou doutrina filosófico-moral que afirma ser o prazer o supremo bem da vida humana.
- Ataraxia - Ataraxia (do grego, "tranquilidade") é um termo grego usado por Pirro e Epicuro para um estado lúcido, caracterizado pela ausência de preocupação ou de qualquer outra preocupação.
- Epicurista - Epicurismo é o sistema filosófico ensinado por Epicuro de Samos, filósofo ateniense do século IV a.C. e seguído depois por outros filósofos, chamados epicuristas. Epicuro acreditava que o maior bem era a procura de prazeres moderados de forma a atingir um estado de tranquilidade (ataraxia) e de libertação do medo, assim como a ausência de sofrimento corporal (aponia) através do conhecimento do funcionamento do mundo e da limitação dos desejos.
Portanto, a partir de tais conceitos, Mises alega que o objetivo do "agente homem" é, a partir de suas ações, buscar a felicidade, o prazer, a ausência de preocupação e de sofrimentos, etc, os quais no entanto, nunca serão atingidos plenamente, e que para o liberalismo está contida na busca da "abundância". Mises afirma ainda ser impossível encontrar um padrão, ou alguma indicação que forneça graus de satisfação ou felicidade nos indivíduos. Apesar de historicamente o tema da felicidade pertencer ao domínio da filosofia, recentemente o tema passou também a interessar neurocientistas, psicólogos, psicanalistas, dentre outros pesquisadores e estudiosos de diversas disciplinas. Para se ter uma idéia, segundo artigo publicado na revista Mente&Cerebro, edição de agosto de 2011, assinado pela pesquisadora da Universidade de Harvard, Andrea Andrews "nos primeiros cinco anos da década de 80, apenas 200 artigos acadêmicos sobre felicidade foram publicados; nos últimos 18 meses, esse número chegou a 27.335". [Andrews, 2011]
Diferente do que defende Mises, estudos recentes revelam que a felicidade não é um estado naturalmente objetivado por todas as pessoas, com aspirações ascendentes e uniformizadas (mesmo que os indivíduos carreguem "diferentes graus de satisfação") ou como diz Mises, ao definir a "ataraxia epicurista", base de seu conceito de felicidade: "estado de perfeita felicidade e contentamento que toda atividade humana pretende alcançar". Após reconhecer que existem muitos equívocos na interpretação do conceito de felicidade, e que não é correto associa-la diretamente a "um significado carnal e material", Mises alega que existem negligências em relação aos prazeres “nobres” e “elevados”, no entanto, não define o que poderia se incluir em tais "prazeres".... o que exatamente poderia proporcioná-los no ponto de vista do autor? O que realmente faz as pessoas felizes? Mais dinheiro? Riqueza? Uma boa educação? Juventude? Beleza? Saúde? Drogas? Tranquilidade? Trabalho? Fama? Em uma só resposta: NÃO!
Incontáveis estudos tem repetidamente apontado que fortes laços afetivos e sensação de significado na vida são os fatores que mais influenciam positivamente a felicidade [Andrews, 2011].
[Charlie Brown com medo de ser feliz, por Charles M. Schulz, 1994]
No entanto, remanecente do Iluminismo --- o projeto moderno de civilização elaborado com base na cultura judaico-clássica-cristã que foi aprofundado e remodelado ao longo de 200 anos --- a ideologia do liberalismo (defendida por Mises como a única capaz de proporcionar a merecida felicidade às pessoas) apóia-se nos conceitos de universalidade, individualidade e autonomia (ídem para a vertente atual do neo-liberalismo), sendo o desenvolvimento do individualismo um de seus fundamentos. Cada homem é único, livre, detentor de direitos e deveres, não é propriedade de seu "senhor", e adquire a condição, ou o direito soberano, de desfrutar livremente do prazer. De acordo com Maria A. de Almenida C. Arantes, em artigo à revista Mente&Cerebro, edição de julho de 2007, "a doutrina iluminista tem como finalidade expressa a felicidade e o bem-estar do gênero humano e como corolário a tolerância e o progresso. O direito à satisfação, mesmo na Terra [e não no céu, ou "no paraíso", após a morte...], passa da impossibilidade a um direito e leva à difusão de uma doutrina que assume a felicidade como princípio e fundamento da vida moral a uma escala sem precedentes."
A partir destes nortes, e da emergência do liberalismo como ideologia sócio-política-econômica-cultural dominante, o individualismo faz por "desligar o homem de laços sociais, avançando vorazmente para a apologia do interesse pessoal acima do coletivo e para a busca do prazer individual a qualquer custo." [Arantes, 2007]. Segundo o filósofo e antropólogo brasileiro Sergio Paulo Rouanet descreve em Mal-estar na modernidade, esse movimento levou o homem a "desconhecer que todo indivíduo é social e que telos da individualição crescente só pode ser alcançado socialmente". Este avanço exponencial do hiperindividualismo motiva o egoísmo, a busca pela beleza, pela riqueza, o culto ao prazer e auto-satisfação imediatos. A felicidade deixa de ser uma hipótese para se tornar uma imperativo impossível, uma meta constante porém inatingível, mantida viva e presente através de forte assédio midiático, que define o simulácro da vida como espetáculo, bombardeando novos produtos o tempo todo --- "inovações tecnológicas" que devem ser adquiridas em troca da "validade existencial", em troca do reconhecimento, do valor, da identidade perante o outro: o celular "mais fininho", o tocador de mp3 "moderinho", o novo lançamento com opcionais "indispensáveis", a bebida que "fulmina a sede", o energético que "dá mais energia", a roupa de marca, o aparelho de ginástica do "corpo perfeito", etc, etc.... A "morte social" está à espreita dos que ainda não possuem um "perfil" no facebook, ou uma "conta de usuário" no tweeter... etc. Mediante constantes efeitos sanfona satisfação-frustração, logo que realizado o ato consumista, extravaza-se, mas imediatemente cria-se novo vácuo existencial, e o ciclo se repete..... E ainda, um fato importante pode passar despercebido neste processo, como aponta Zigmunt Bauman em "Vida para Consumo: A Transformação das Pessoas em Mercadoria":
Os colegiais de ambos os sexos que expõem suas qualidades com avidez e entusiasmo [nas redes sociais] na esperança de atrair a atenção para eles e, quem sabe, obter o reconhecimento e a aprovação exigidos para permanecer no jogo da sociabilidade; os clientes potenciais [identificados e classificados pelos sistemas da tecnologia da informação] com necessidade de ampliar seus registros de gastos e limites de crédito para obter um serviço melhor; os pretensos imigrantes lutando para acumular pontuação, como prova da existência de uma demanda por seus serviços, para que seus requerimentos sejam levados em consideração – todas as três categorias de pessoas, aparentemente tão distintas, são aliciadas, estimuladas ou forçadas a promover uma mercadoria atraente e desejável. Para tanto, fazem o máximo possível e usam os melhores recursos que têm à disposição para aumentar o valor de mercado dos produtos que estão vendendo. E os produtos que são encorajadas a colocar no mercado, promover e vender são elas mesmas. (grifo do autor) [Bauman, 2007]
Nesta ilusão de felicidade, de que assim a vida será mais completa, de que a pessoa será aceita socialmente, de que será realmente um indivíduo, ou que vai efetivamente "existir", consome-se, expõe-se, compra-se mais, e mais.... atingindo-se o limite do indivíduo se tornar mera "mercadoria" à venda, cujo "perfil consumidor", ou as informações financeiras são disputadas e negociadas vorazmente pelas agências de telemarketing. Este processo é mantido pela industria da publicidade, alimentada pelas grandes coorporações que eficientemente tratam de convencer-nos a comprar coisas inúteis, que não necessitamos, porém desejamos, porque nos fará mais populares /sexy /livres /fortes /saudáveis /etc, em suma: nos fará felizes.
No entanto, as coisas não foram sempre assim, como gostam de alardear os defensores do slogan there is no alternative, ou não ha alternativa para o livre-mercado extremo, como defendem os neo-misenianos, ou para as intervenções do Estado na economia, como defendem os neo-keynesianos. Como descreveu Diderot, em seu "Suplemento à Viagem de Bougainville", de 1772 (com tradução de Marilena Chauí, 1979), numa Tahiti recém "descoberta" pelos europeus, ao reproduzir a fala do ancião tahitiano dirigida ao comandante do navio:
“E tu, chefe dos bandidos que te obedecem, afasta prontamente teu navio de nossa costa: nós somos inocentes, nós somos felizes; e tu só podes prejudicar nossa felicidade. Nós seguimos o puro instinto da natureza; e tu tentaste expungir de nossas almas seu caráter. Aqui tudo é de todos; e tu nos pregaste não sei que distinção entre o teu e o meu. (...) Deixa-nos os nossos costumes; são mais sábios e mais honestos que os teus; nós não queremos trocar o que chamas nossa ignorância por tuas inúteis luzes. Tudo o que nos é necessário e bom, nós o possuímos. Somos nós dignos de desprezo, porque não soubemos criar para nós necessidades supérfluas? (...) Persegue até onde quiseres isso que denominas comodidades da vida; mas permite a seres sensatos que se detenham, quando não teriam a obter, da continuação de seus penosos esforços, senão bens imaginários. Se nos persuades a transpor o estreito limite da necessidade, quando findaremos de trabalhar? Quando fruiremos? [Diderot, 1772]
De fato, o consumo não pode realmente satisfazer as necessidades que a compra desses bens e serviços pretendem satisfazer. Primeiro porque tais necessidades nem sequer existem de fato, são antes incultadas na mente das pessoas, como algo que elas precisam e que nem sabiam que precisavam, e ao se dar conta correm a consumir. E mesmo existindo, tais necessidades são efêmeras, se alteram o tempo todo, e portanto nunca poderiam ser satisfeitas plenamente. De acordo com Andrews (2011), "o fato é que prazeres sensoriais em geral duram pouco e tem efeito passageiro. A adaptação hedônica --- seja a odores pútridos, a refeições saborosas, a objetos pesados ou a temperaturas extremas --- ocorre em reação aos estímulos constantes e repetitivos. É por isso que quaisquer ganhos em termos de felicidade são transitórios. Ou seja: seres humanos habituam-se muito rapidamente à mudança." Assim, a súbita melhora de humor provocada por uma casa nova, por um "tablet" última geração, por um aumento de salário, ou por uma mudança na aparência provavelmente não persistirá, porque tendemos a nos adaptar às circunstâncias constantes.
Outro fator que torna a felicidade algo inatingível na plenitude é o que sociólogos chamam de "ansiedade de referência", ou a tendência que temos em nos comparar com as pessoas de nosso círculo de convivência. Ainda de acordo com estudos citados por Andrews (2011), "inumeros estudos tem demonstrado que as pessoas prefeririam ter um salário anual de U$ 50 mil se as demais ganhassem U$ 25 mil a ganhar U$ 100 mil se as demais ganhassem U$ 200 mil." Portanto, em geral damos mais importância à comparação, ao status e à nossa posição social do que ao valor absoluto de nosso rendimento ou reputação. Segundo estes estudos nossa realidade social baseada em valores individualistas exacerbados nos força a tendência de valorizar excessivamente qualquer fator individual do próprio bem estar e também a tendência de deixar de lado detalhes do passado, e distorcê-los, quando vislumbramos possibilidade de prazer numa aquisição futura. Tais enganos cognitivos dirigidos por valores individualistas nos faz perceber a realidade de forma equivocada e tomar decisões erradas o tempo todo.
Portanto, a "teoria do valor subjetivo" provinda da chamada revolução marginalista, defendida e aclamada pelos defensores do liberalismo e seguidores de Mises não passa de um mito. Inegavelmente, a avaliação do uso-valor de um bem é subjetiva, e varia conforme o caso, dependendo do gosto e das necessidades do individuo. E isso exerce um efeito no preço, no entanto, alegar que isto determina o preço de um produto é ignorar --- ou simplesmente descartar --- tanto os efeitos da adaptação hedônica e da ansiedade de referência, bem como a própria dinâmica do sistema do capital como um todo. A teoria do valor subjetivo trata todas as mercadorias como "obras de arte", ou como se fossem raridades, numa escala de valoração, e não como uma mercadoria no usual sentido da palavra, ou seja, um bem ou serviço, que foi idealizado, projetado e produzido para ser vendido e para obter o máximo lucro possível. Esta teoria foi construída sobre abstrações individuais a partir de circunstâncias sociais específicas, o que originou "leis" econômicas aplicáveis para todos os indivíduos, em todas as sociedades, em todos os tempos. Sendo a expressão de um conceito universal, isto resulta num total desprezo pelas diferenças históricas e sociais, além de ignorar completamente as particularidades da sociedade comtemporânea. O fato de uma teoria econômica pregar que "ao longo do tempo" cada um estará melhor que antes e que os problemas diários são irrelevantes (e qualquer tentativa de se fixar neles é contraprodutiva) além de estar relacionada a lucros e a transações (seja em tempos de abundância ou em tempos de crise) desqualifica-a totalmente como constructo teórico robusto, consitente e sustentável. Por ser mais ideológica que científica, a teoria do valor subjetivo não ajuda em nada, pois a tentativa de criar uma teoria aplicável para todas as épocas, todas as situações e todas as pessoas, apenas confirma o fato de que esta teoria foi 'encomendada' para justificar e consolidar as práticas do livre mercado, e dissimuladamente impô-las, relegando ao segundo plano os conflitos e contradições existentes entre produção, trabalho e capital. Isso é o que cabe aqui. Uma discussão mais completa e elaborada a respeito pode ser tema de outro trabalho, dada a magnitude e abrangência que pode adquirir, o que será feito oportunamente pelo autor.
Ainda em relação à busca da felicidade e ao prazer, hoje, as experiências autênticas não atendem mais aos critérios convencionais de verdade/falsidade, aparência/essência, superfície/ profundidade. Corpo e mente são invadidos pelas imagens sintéticas, e a autenticidade pode residir apenas naquilo que parece ser. Tais experiências e prazeres, dependentes do "mundo externo" servem apenas para que as pessoas burlem as angústias da descoberta da fragilidade de seu corpo, seus limites, seus defeitos, sua efemeridade --- um corpo oprimido, condenado ao envelhecimento e à morte --- e afastem da 'vista' o fato de que o homem não é o centro do Universo, e de que precisa do outro para satisfazer seus desejos.
Sobre o caráter eugenista de Von Mises
(ou sobre uma declaração que não mereceria comentário)
Ainda na parte introdutória de seu tratado, Mises declara que:
É preciso que se enfatize que o destino da civilização moderna desenvolvida pelos povos de raça branca nos últimos duzentos anos está inseparavelmente ligado ao destino da ciência econômica. Esta civilização pôde surgir porque esses povos adotaram ideias que resultavam da aplicação dos ensinamentos da economia aos problemas de política econômica. [Ibid, p. 30]
Dentro do que se propõe no presente texto, tal declaração não mereceria nenhum comentário, no entanto, dada a tamanha estranheza que desperta, e ao significado profundo e inegável que carrega, deve-se fazer aqui uma parada estratégica e registrar com cuidado um comentário, em forma de alerta, em vista da demonstração clara dos princípios éticos morais que guiavam o autor do tratado da "ação humana". Salta à vista o auto-declarado caráter eugenista e preconceituoso da mesma. Primeiro nos afirma o autor que nos últimos 200 anos (da publicação de seu tratado), a civilização foi "desenvolvida pelos povos de raça branca".... Só a classificação de "raça" já é pejorativa, incorreta e grosseira, e ainda, --- antes que os seus seguidores saltem à sua defesa, declarando ser ingênuidade-datada ou mal entendido, etc --- é importante lembrar que, mesmo à época do autor já se combatia veementemente tais colocações e idéias, em vista das monstruosidades praticadas por Hitler e seus seguidores em nome da "pureza da raça alemã". Não se pode alegar "ingenuidade" ou "desconhecimento" de tais monstruosidades por parte do autor, visto que o mesmo foi economista, filósofo e grande defensor da liberdade individual (mesmo que sua defesa fosse somente para alguns poucos merecedores de tal liberdade). E ainda, o que é mais descabido, o autor era judeu e chegou a fugir para Suiça em 1934, devido a ameaça à sua integridade provocada pela emergência do partido nasista da Áustria.
Portanto, uma declaração deste teor não "escaparia" como ato falho, ou como simples descuido, de caráter "observativo", ou mera "constatação histórica". Demonstra antes a pretenciosa e auto declarada "superioridade da raça branca" defendida pelo autor, acima de tudo e todos que se possam incluir fora desta categoria, ou seja: os demais povos, culturas, etnias, além de grupos e classes sociais. Ficam assim escancarados e clarificados quais "juizos de valores" o autor utiliza ao tecer sua obra, sendo importante se atentar para o fato, visto que aquele que nega tais valores, aquele que os recusa e repudia, deve ler e interpretar tal obra com a atenção redobrada, investigando "à lupa" cada afirmação, cada idéia defendida, cada ofensa, declaração e pensamento, mantendo a criticidade e a isenção aflorados. Do contrário, a armadilha ideológica e retórica montada perniciosamente pelo autor, na defesa da "superioridade da raça branca" --- e de tudo o que se possa concluir e incluir neste tipo de 'pensamento' --- pode aprisionar aos incautos leitores, que seguem idolatrando o autor como um profeta, detentor das verdades e da plena sabedoria.
É triste constatar que na década de 50 existiam pessoas que consideravam “povos de raça branca” como uma categoria de humanos superior aos demais, e ainda mais triste saber que ainda hoje existem pessoas que compactuam com estas idéias. Tais pessoas ignoram a dinâmica evolutiva da espécie, com os caminhos, tempos e processos diversos, múltiplos e não-simultâneos.
Mais sobre povos relutantes em abandonar mitos tradicionais
Apesar de Mises se referir aos processos de colonização tardios, seus comentários pejorativos incluem todos os povos colonizados dentro na mesma categoria de “relutantes em abandonar seus mitos tradicionais”. Neste mote, algumas considerações podem ser feitas, como caráter informativo, ou como curiosidade temática --sem fazer apelo ao mito do bom selvagem-- é fato que os “povos primitivos” encontrados pelos europeus na América pré-colombiana possuíam muitas realizações impressionantes. Ao se referir sobre os Incas, em 1589, Don Mancio Serra de Leguisamo – o último sobrevivente dos primeiros conquistadores do Peru – escreveu no preâmbulo de seu testamento o seguinte:
Encontramos esses reinos em tal bom estado, e os Incas os governavam de maneira tão sabia, que entre eles não havia um ladrão ou um viciado, não havia uma adúltera, ou sequer uma mulher má admitida entre eles, não havia tampouco pessoas imorais. Os homens tinham ocupações honestas e úteis. As terras, florestas, minas, pastos, casas e todos os tipos de produtos eram controlados e distribuídos (…) o motivo que me obriga a fazer estas declarações é a libertação da minha consciência, visto que me considero culpado. Pois destruímos, com nosso mal exemplo, as pessoas que tinham tal governo como o que era desfrutado por esses nativos. Eram tão livres do cometimento de crimes ou excessos, tanto os homens quanto as mulheres, que o índio que tinha 100 000 pesos em ouro e prata em sua casa a deixava aberta, meramente deixando uma pequena vara contra a porta, como sinal de que seu mestre estava fora. Com isso, de acordo com seus costumes, ninguém poderia entrar ou levar algo que estivesse ali. Quando viram que colocávamos cadeados e chaves em nossas portas, supuseram que fosse por medo deles, para que eles não nos matassem, mas não porque acreditassem que alguém poderia roubar a propriedade de outro. Assim, quando descobriram que havia ladrões entre nós, e homens que buscavam fazer as suas filhas cometerem pecados, nos desprezaram. [http://pt.wikipedia.org/wiki/Incas]
Existem alguns fatos devidamente evidenciados nos meios científicos, porém pouco observados que merecem algum destaque ou exclarecimento. As primeiras civilizações na Mesopotâmia, que é considerada um dos berços da civilização, surgiram por volta de 6000 a.C. Já a civilização Inca, tem suas origens por volta do ano 4000 a.C ([15]). Ambas as civilizações surgem, portanto, dentro do período neolítico, caracterizado principalmente pelo início da sedentarização e surgimento da agricultura. Portanto, a partir destas estimativas, pode-se afirmar com certa margem de segurança que a civilização Inca surgiu aproximadamente 2000 anos depois da Mesopotâmia, e foi encontrada pelos europeus em 1531, portanto aproximadamente 5500 anos após seu surgimento. Se considerarmos este mesmo lapso de tempo, a partir de seu surgimento, encontraríamos na Mesopotâmia o Rei Nabucodonosor da Babilônia em suas guerras de conquista para unificar o reino..., nada muito diferente do que veio a fazer o Imperador Inca Atahualpa dois milênios depois, perto da chegada dos europeus.
Entrementes, deve-se lembrar que o homo-sapiens, nosso ancestral comum, se originou evolutivamente na África em torno de 150 mil anos atrás, e atingiu o crescente fértil() na região da Mesopotâmia em torno de 70 mil anos atrás. Porém o ancestral das Américas somente atingiu o “novo mundo” em torno de 15 mil anos atrás no findar da última idade do gelo. Portanto existe um “lapso” de 55 mil anos entre uma migração e a outra. As evidências baseadas em análises de DNA mitocondiral sugerem que os ancestrais das Américas provêm de uma única onda migratória, a partir da qual diferentes grupos étnicos se originaram ao longo do caminho e do tempo.
No entanto, pesquisas recentes([17]) mostram que os ancestrais europeus não se originaram a partir de “fazendeiros” neolíticos que deixaram o crescente fértil e se moveram a oeste, em direção ao mediterrâneo, mas seriam mais de 80% provenientes de paleolíticos caçadores-coletores que haviam “chegado” ha 25 - 40 mil anos atrás (também provindos do crescente fértil, porém em tempos muito mais remotos do que se supunha), e através dos milênios deram origem a diversas variações étnicas() que posteriormente povoaram a europa.
Mapa da migração humana baseado em DNA mitocondrial
[fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Migraciones_humanas_en_haplogrupos_mitocondriales.PNG]
Assim, enquanto os ancestrais homo-sapiens europeus sobreviviam e evoluíam à sua maneira in loco, os ancestrais dos povos das Américas seguiam em migração, e evoluíam numa dinâmica particular, “ao caminhar”.... sendo que, apesar de caminhos e lapsos temporais diversos, compartilham, todos, origens comuns, o que põe por terra o conceito de raça, ao tentar agrupar indivíduos de acordo com algumas características que os diferenciaria.
Mises, no entanto, é detentor de um ponto de vista diferente (compartilhado por seus seguidores), vejamos:
É irrefutável o fato de que a humanidade está dividida em várias raças, que têm características físicas diferentes. Para os partidários do materialismo filosófico, os pensamentos são uma secreção do cérebro, como a bílis é uma secreção da vesícula biliar. Sendo assim, a consistência lógica lhes impede de rejeitar a hipótese de que os pensamentos segregados pelas diversas raças possam ter diferenças essenciais. O fato de a anatomia, até o momento, não ter descoberto diferenças anatômicas nas células do cérebro das diversas raças não invalida a doutrina segundo a qual a estrutura lógica da mente seria diferente nas diversas raças, uma vez que sempre seria possível, em futuras pesquisas, descobrir tais diferenças. [Mises, 1996, p. 117]
Sem mencionar seu simplificismo reducionista intencional --e até hilário-- onde Mises alga que os "partidários do materialismo filosófico" (onde poderíamos incluir os biólogos e atuais estudiosos da neurociência, etc) defendem que "os pensamentos são uma secreção do cérebro, como a bílis é uma secreção da vesícula biliar" o que os impediria de abstrair que os pensamentos são processados diferentemente "pelas diversas raças" (obviamente, em sua visão, de forma mais eficiente nos de "raça branca")... para infelicidade de Mises e de seus seguidores, evidências de tais diferenças anatômicas provenientes de diversidades raciais jamais foram descobertas, e, à que consta, jamais o serão. No livro "Humanidade Sem Raças?" o Doutor em Genética Humana, Sérgio Pena trata da questão por meio de um recorte biológico onde se apóia nos mais recentes estudos da genética molecular, como o sequenciamento do genoma humano, para provar, pela ciência --e não por "achismos" e declarações vulgares jogadas ao vento-- que os rótulos usados para distinguir "raças" não têm qualquer significado biológico.
Portanto, diferente do que Mises alega inadvertidamente, de acordo com Sérgio Pena: "Tratar um indivíduo com base na cor da sua pele ou na sua aparência física é claramente errado, pois alicerça toda a relação em algo que é moralmente irrelevante com respeito ao caráter ou ações daquela pessoa". Chega a propor a "desinvenção" do conceito de raças. [Pena, 2008].
Sobre o caráter formal
e apriorístico da praxeologia
"O entusiasmo é uma embriaguez moral."
George [Lord] Byron
Em vista das indagações levantadas até agora, é evidente que, tal como na abertura físico-química para "baixo", as consequências e reverberações da abertura para “cima” não foram devidamente contempladas por Mises (ou não foram 'propositalmente' contempladas...).
Em sua visão, acerca dos instintos:
Muitos defensores da escola do instinto estão convencidos de terem provado que a ação não é determinada pela razão, mas provêm das insondáveis profundezas das forças, impulsos, instintos e propensões inatas que não são passíveis de qualquer explicação racional. [Mises, 1996, p.40]
(...)
Por mais insondáveis que sejam as profundezas de onde emerge um impulso ou instinto, os meios que o homem escolhe para satisfazê-lo são determinados por uma consideração racional de custos e benefícios. [Ibid, p.40]
Assim, a partir das críticas e considerações feitas em seu tratado, fica claro que Mises já havia tido contato com os primeiros desenvolvimentos do behavorismo radical de Skinner([19]), e o conceito de “reflexo condicionado” que Pavlov desenvolveu na década de 1920, por exemplo, e que também já havia tomado ciência dos primeiros estudos, análises e conclusões de Jean Piaget acerca do comportamento humano (apesar de omitir os três pesquisadores em suas referências). Porém é fato que não conhecia nada sobre os trabalhos de Lev Vygotsky, acerca das interações psico-sócio-históricas humanas, visto que apesar de ter iniciado seus trabalhos ainda na década de 1920, devido à censura soviética, os trabalhos deste autor bielo-russo somente foram publicados fora da União Soviética a partir da década de 1960.
Pavlov
A idéia básica do “reflexo condicionado” de Pavlov consiste em que algumas respostas comportamentais são reflexos incondicionados, ou seja, são inatas em vez de aprendidas, enquanto que outras são reflexos condicionados, aprendidos através do emparelhamento com situações agradáveis ou aversivas simultâneas ou imediatamente posteriores. Através da repetição consistente desses emparelhamentos é possível criar ou remover respostas fisiológicas e psicológicas em seres humanos e animais. Essa descoberta abriu caminho para o desenvolvimento da psicologia comportamental e mostrou ter ampla aplicação prática, inclusive no tratamento de fobias e nos anúncios publicitários. [http://pt.wikipedia.org/wiki/Ivan_Pavlov]
Skinner
O Behaviorismo Radical, postulado por B. F. Skinner e adotado por vários outros psicólogos, busca compreender questões humanas, como "comportamento", "liberdade" e "cultura", dentro do modelo de seleção por consequências, e rejeitando o uso de variavéis não-físicas (sem dimensão no tempo-espaço). O termo behaviorismo vem do inglês behavior (comportamento) e ilustra bem o objeto de estudo da vertente radical: o comportamento, entendido como a relação entre o indivíduo e seu ambiente físico, químico ou social. O "radical" do behaviorismo se deve ao fato de que as técnicas ali descritas não apelam para estados mentais como causa iniciadora do comportamento, mas os vê como estágio inicial do próprio comportamento. Pelo behaviorismo radical o comportamento do ser humano e dos outros organismos é visto como uma interação entre estímulos do ambiente e respostas do organismo, sendo determinado por três tipos de seleção: filogenética (repertórios compartilhados por uma mesma espécie, o qual é determinado pela história evolutiva da mesma), ontogenética (repertório particular de cada indivíduo ou organismo, o qual é determinado por sua história de vida ou histórico de reforçamento) e cultural (repertório compartilhado por indivíduos de uma mesma cultura, sendo este de maior importância para compreender o comportamento humano e de outros animais que apresentam algum tipo de comportamento social). Com isso, adquire o status técnico de resposta emitida, e não de causa autônoma ou mental do comportamento, diferenciando-se, fundamentalmente, das outras correntes de pensamento dentro da psicologia. Apesar de sua contribuição prolífica, os postulados de Skinner receberam muitas críticas, visto que privilegiam conceitos como controle e previsibilidade, e deram pouco valor a conceitos como liberdade e realização pessoal. Skinner defende um modelo de educação que parte do meio para o indivíduo sendo que os críticos consideram seu modelo de educação e controle de comportamento excessivamente mecanicista e determinista.
Piaget
Piaget e Vygotsky () pertencem a um momento específico das ciências humanas – um momento no qual o conhecimento sobre o mundo se torna indissociável do conhecimento dos próprios processos cognitivos que condicionam nossa apreensão da realidade. Confome disse Aldous Huxley, "experiência não é o que se fez, mas o que se faz com aquilo que se fez". Piaget, nascido em 1896 na Suiça (morreu em 1980 em Genebra aos 84 anos), foi biólogo por formação e doutorou-se aos 22 anos em ciência natural em 1918. Considerado um gênio pela precocidade de seu talento e pela originalidade e importância de suas pesquisas e teorias acerca do desenvolvimento, conhecimento e comportamento humano, publicou mais de 60 livros, numa obra que se estende por mais de 20 mil páginas e centenas de artigos num período de mais de 60 anos. Estudou ainda psicologia, psiquiatria, sociologia, filosofia, matemática, dentre várias outras diciplinas como autodidata. Ele foi o propositor da epistemologia genética, por intermédio da qual ao longo de toda sua vida buscou corroborar teórica e experimentalmente algumas hipóteses fundamentais sobre o conhecimento e comportamento humano, e como e por que constituem ao longo do processo de desenvolvimento. A epistemologia genética desenvolvida por Piaget consiste numa síntese das teorias então existentes, o apriorismo e o empirismo. Piaget não acredita que o conhecimento seja inerente ao próprio sujeito, como postula o apriorismo (de Mises), nem que o conhecimento provenha totalmente das observações do meio que o cerca, como postula o empirismo. Piaget adjetivou como "genética" sua epistemologia, não remetendo ao significado bio-químico do termo, mas designando gênese, origem, nascimento, além de construção, desenvolvimento, formação, noção: o nascimento da inteligência, a formação do símbolo, a construção do real, a noção de tempo, a origem da idéia de acaso, a gênese das estruturas lógicas elementares, da lógica da criança à lógica do adulto – todos temas título de seus livros, que revelam suas preocupações epistemológicas. Para Piaget, o conhecimento é gerado através de uma interação do sujeito com seu meio, a partir de estruturas existentes no sujeito. Assim sendo, a aquisição de conhecimentos depende tanto das estruturas cognitivas do sujeito como de sua relação com os objetos. Durante sessenta anos, Piaget coordenou projetos de pesquisas, que deram base à compreensão contemporânea do desenvolvimento do conhecimento. Apesar de dar grande ênfase em seus experimentos na infância, Piaget estava interessado em investigar como o conhecimento se desenvolvia nos humanos em geral.
O apriorismo metodológico de Mises
Já Mises, em seu tratado, defende uma posição apriorística radical quanto ao pensamento lógico/dedutivo. Para ele, o conhecimento proposicional [abstrato, assertivo, não-linguístico, etc] é uma anterioridade lógica e não cronológica, portanto designada na noção a priori – que não pode ser adquirido através da percepção, introspecção, memória ou testemunho. De acordo com o autor:
A mente humana não é uma tabula rasa na qual os eventos externos registram sua própria história. Está equipada com o ferramental necessário para compreender a realidade. O homem adquiriu esse ferramental, isto é, a estrutura lógica de sua mente, ao longo de sua evolução de uma ameba até o estado atual. Mas as ferramentas são anteriores a qualquer experiência. [Mises, 1996, p. 62]
(...)
O fato de que o homem não tenha o poder criativo para imaginar categorias diferentes das suas relações lógicas fundamentais nem dos princípios de causalidade e teleologia nos impõe o que pode ser chamado de apriorismo metodológico. [Ibid, p. 62]
(...)
O conhecimento humano é condicionado pela estrutura da mente humana. Se, como tema de investigação, se escolhe a ação humana, isto significa que forçosamente iremos estudar as categorias da ação que são próprias à mente humana e que são sua projeção no mundo exterior em evolução e mudança. [Ibid, p. 62]
Tal é a premissa moral básica de Kant. Escreve este em sua obra, Crítica da Razão Prática de 1788: "não se deve admitir uma espécie particular de sentimento que seria exterior à lei moral e lhe sirva de fundamento." Portanto, para Kant (e para Mises) "o respeito pela lei moral é um sentimento produzido por um princípio intelectual e este sentimento é o único que conhecemos perfeitamente a priori, e do qual podemos perceber a necessidade." [Kant, 1788]. Tal premissa situa-se na dualidade afetividade/razão, sendo compreensível quando os dois termos são entendidos como complementares. De acordo com o educador Yves de La Taille, em artigo da coleção memória da pedagogia: "a afetividade seria a energia, o que move a ação, enquanto a razão seria o que possibilitaria ao sujeito identificar desejos, sentimentos variados, e obter êxito nas ações. Neste caso, não ha conflito entre as duas partes. Porém, pensar a razão contra a afetividade é problemático porquê então dever-se-ia, de alguma forma, dotar a razão de algum poder semelhante ao da afetividade, ou seja, reconhecer nela a característica de movel, de energia." [De La Taille, 2005]. Sendo que o próprio Kant admitia: "Saber como uma lei pode ser, por ela mesma e imediatamente, princípio determinante para a vontade é um problema insolúvel para a mente humana." Para uma melhor compreensão deste dilema, vejamos alguns exemplos práticos, tal como propostos por Taille, 2005: "Quero saciar minha fome ou obter um determinado prazer para o qual minha afetividade me inclina, mas contenho-me porque considero moralmente correto não roubar ou não usar outras pessoas para saciar meus apetites. Agora se deixo de roubar pelo medo da prisão, estou seguindo um interesse pessoal, um puro afeto, e minha conduta, embora correta na prática, não poderá ser considerada como moral. Se faço bem a alguém de quem eu goste, também não haverá muito valor moral neste ato, pois ainda estou agindo na dependência de um sentimento pessoal, e nada garante que agiria assim perante um estranho." Assim., numa ação moral pura, segue-se a norma "porque ela é avaliada como boa, e não porque nos agrade de alguma forma." [Taille, 2005]. Portanto, como será possível alguém agir apenas em função de uma avaliação racional? Será a razão alguma força psicológica? Piaget nos oferece sua solução, ao propor sua concepção de desenvolvimento moral.
O Desenvolvimento Moral
Piaget publicou ainda em 1932, no início de sua carreira, o livro "O Julgamento Moral na Criança" [Piaget, 1977], livro que permaneceu isolado dentro do conjunto da obra de Piaget, mas que se tornou um clássico, e uma referência para pesquisadores da moralidade humana, e para pensadores debruçados sobre questões da ética, como Habermas e Raws. De acordo com De La Taille (2005) neste livro Piaget elaborou sua teoria de desenvolvimento moral com base nos resultados obtidos em uma série de pesquisas sobre eventos sociais correntes dentre as crianças, e para tanto escolhe o "jogo coletivo de regras" (amarelinha para meninas, e bolas de gude para meninos) como base de suas observações. Piaget foca sua pesquisa nas crianças, mas fundamentalemte busca a compreensão da formação da moralidade humana em termos absolutos. Tal escolha foi feita, pois os jogos de regras infantis representam atividades interindividuais reguladas por normas, as quais, embora herdadas de gerações anteriores, podem ser modificadas por membros de cada grupo de jogadores. E embora tais normas não tenham caráter moral, o respeito a elas devido, é ele sim, moral (envolve questões de justiça e honestidade). E também, tal respeito provém de mútuos acordos entre os jogadores e não de mera aceitação de normas impostas por autoridades estranhas à comunidade de jogadores. Após interagir com, e entrevistar muitas crianças, de diferentes idades, Piaget identifica três etapas em relação à consciência da regra: a anomia, a heteronomia e a autonomia.
[Criança pulando Amarelinha, fonte: http://transtornopp.blogspot.com/2011/03/amarelinha.html]
Na anomia, (até 5 a 6 anos de idade) as crianças não seguem regras coletivas – se interessam pela brincadeira, mas antes para satisfazer seus interesses motores e fantazias simbólicas. Já na heteronomia, (até 9 a 10 anos) a criança passa a se interessar pelas atividades coletivas de regras, apreende sobre as origens das regras e da possibilidade de modifica-las, porém, não admite tal possiblidade, visto que encara tais regras como algo sagrado e imutável, imposto pela "tradição". Ademais, nesta etapa de assimilação, a criança não concebe a si mesma como possível legisladora, ou seja, como possível inventora das regras que possam ser, por comum acordo, legitimadas coletivamente. E uma característica aparentemente contraditória desta etapa, é que apesar de não admitir alterações nas regras, a criança se mostra bastante maleável em relação às suas aplicações práticas, ou seja, introduz uma variante que possa beneficiar a seu adversário e a sí mesma, e no final da partida acha natural afirmar que "todo mundo ganhou". A terceira e última etapa é a da autonomia, com características justamente opostas à da heteronomia, e correspondem à concepção adulta do jogo. A criança joga e segue as regras com esmero, e compreende que tais regras são decorrentes de comum acordo entre os participantes, sendo que cada um é um possível "legislador", ou seja, criador de novas regras que devem ser submetidas à apreciação e aceitação dos demais.
O Dever Moral
Com base nestas observações, Piaget conclui que o julgamento moral segue as mesmas etapas. E para confirmar sua hipótese, segue uma série de investigações acerca do dever moral na criança, baseadas em três situações distintas: o dano material, a mentira e o roubo. Identifica na fase de heteronomia() o que ele denominou de realismo moral, onde a criança considera bom todo ato que revela obediência às regras, que são interpretadas "ao pé da letra" e não no seu significado, e há nesta fase uma concepção objetiva da responsabilidade, ou seja, julga-se pelas consequências dos atos e não pela pura intencionalidade daqueles que agiram. Por exemplo: qual criança tem maior culpa: aquela que quebrou 10 copos sem querer, ou aquele que quebrou um só copo, porém intencionalmente – a criança na fase de heteronomia fatalmente dirá que a que quebrou 10 copos sem intenção é mais culpada que a outra que quebrou um só, mesmo tendo a intenção. Julga portanto pelo aspecto exterior da ação e não pela intencionalidade da mesma. Na fase de autonomia, tal tendência se inverte, e o realismo moral é superado. De acordo com De La Taille (2005) "a heteronomia, expressa pelo realismo moral, corresponde a uma fase durante a qual as normas morais ainda não são elaboradas ou reelaboradas pela consciência. Por conseguinte, não são entendidas a partir de sua função social. O dever significa tão-somente obediência a uma lei revelada e imposta pelos adultos. As razões de ser dessas leis são desconhecidas; logo não entram como critério para o juízo moral." A criança somente vai compreender os deveres como decorrentes de obrigações mútuas ao superar esta fase, ou seja, ao adentrar na fase de autonomia.
A Justiça e a Sanção
Como consequência natural, Piaget trata em seguida da questão da justiça e da sanção, abordando temas da justiça retributiva, distributiva e "imanente", da responsabilidade coletiva, da igualdade e da autoridade. Novamente Piaget identifica uma fase de heteronomia anterior à fase de autonomia. Para compreender tal concepção pela criança, Piaget lança mão de uma história: "um menino, após roubar maçãs num terreno vizinho, passa por um pontilhão em mal estado, e cai na água. Se não tivesse roubado as maçãs, teria ele mesmo assim caído no riacho?" [De La Taille, 2005]. Segundo concluí Piaget, a criança de até 7 a 8 anos de idade, após comentar "bem feito", argumentaria que foi um castigo merecido ele ter caído na água, e ainda, que se não houvesse o roubo, nada teria ocorrido. Eis a idéia de justiça "imanente" de Piaget. A justiça retributiva (sanção) deve seguir inevitavelmente o delito, mesmo que para isso a própria natureza deva se fazer cúmplice do adulto.
Para investigar a noção de punição, ou sanção, Piaget lança a seguinte história: um garoto havia mentido aos pais, e estes estavam em dúvida sobre a melhor forma de castiga-lo: mandá-lo copiar 50 vezes a frase: "é errado mentir" (sanção expiatória) ou avisa-la de que, se o fizer novamente não terão mais confiança nela (sanção por reciprocidade)? Em seguida pedem às crianças que escolham o melhor castigo, que justifiquem a opção e que digam qual dos dois castigos seria mais eficaz para evitar a reincidência. Os resultados consolidaram as espectativas, ou seja, quanto menos idade, mais a criança opta pelas sanções expiatórias.
Justiça Distributiva e Autoridade
Aqui, Piaget elabora uma história onde um adulto comete claramente uma injustiça com alguma criança, e pede aos entrevistados sua opinião, por exemplo: "uma mãe manda sistematicamente um de seus dois filhos comprar pão, porque o outro sempre reclama quando lhe pedem para fazê-lo" [De La Taille, 2005]. Novamente, como esperado, as crianças menores consideram a ordem justa, pois provém de um adulto, e deve ser obedecida. A partir dos 8 a 9 anos a desobediência à regra é vista como correta, ou seja, como algo legítimo, visto que há flagrante de injustiça, no entanto não questiona-a. Já um adolescente de 12 anos aconselha uma viva discussão com a mãe (a autoridade), sendo que neste caso (autonomia moral) separa a noção de justiça daquela de autoridade.
O Dever e o Bem
Com base nas investigações que conduziu, Piaget articula sua tese conclusiva sobre a moral. Segundo De La Taille, em suas conclusões, Piaget elabora um discurso argumentativo com diversos autores, dentre eles Durkheim (2003), para o qual todo ato moral envolve obrigatoriamente dois aspectos: o dever e o bem, sendo o dever o sentimento de obrigatóriedade (com um fim em si mesmo), tal como pustulado por Kant. No entanto, Durkheim discorda de Kant em ralação às emoções, e defende que além de um caráter de obrigatoriedade, toda regra moral tem também o caráter de "desejabilidade", sendo portanto, dever e bem dois aspétcos indissociáveis da moral. No entanto ao declarar esta duplicidade, Durkheim esta ciente que pode ser contraditório, e lembra que tal dualidade se resolve através da noção de "sagrado", objeto que inspira medo e respeito, impondo certas condutas, além de inspirar amor e desejo, sendo ainda que o 'gatilho' que desperta tal sentimento de sagrado, complementar de obrigatoriedade, é a sociedade. Portanto, para o autor de "Sociologia na Filosofia", a sociedade é exterior ao indivíduo, é superior, poderosa, e acarreta uma distância moral que 'dirige' sua vontade. Define-se então a noção de autonomia moral, onde a razão do indivíduo não é legisladora das "leis do mundo moral", o qual cabe à sociedade, entendida como "sujeito coletivo".
Piaget concorda parcialmente com Durkheim. Concorda num ponto essencial: a moral é um fato social e, portanto, segundo análise de De La Taille (2005), para Piaget, "uma consciência puramente individual não seria capaz de elaborar e respeitar regras morais. Todavia, Piaget recusa-se a considerar (...) a sociedade como um 'ser' ('ser coletivo'). Para ele, assim como não existe 'o indivíduo', pensado como unidade isolada, também não existe 'a sociedade', pensada como um todo, ou um ente ao qual uma só palavra pode remeter. Existem, isso sim, relações interindividuais, que podem ser diferentes entre si e, decorrentemente, produzir efeitos psicológicos diversos." [De La Taille, 2005]. Piaget divide então as relações interindividuais entre duas grandes categorias: a coação e a cooperação.
As relações de coação, são assimétricas, onde um dos lados impõe ao outro suas formas de pensar, seus critérios, suas verdades. Na coação não existe reciprocidade, sendo as regras dadas de antemão, a priori, e não podem ser construídas pelos diferentes participantes. Apesar deste carater de respeito unilateral, a coação em Piaget não deve ser vista como um tipo de tirania exercida por dominadores, mas sim por algum tipo de organização institucional, por exemplo, ou por tradições, culturas, crenças, etc. A coação reforça o egocentrismo, que representa, dentre outras coisas a dificuldade de se colocar no lugar do outro e estabelecer relações de reciprocidade, além de uma assimilação deformante das razões de ser das diversas regras (realismo moral). Assim, da coação deriva-se a heteronomia moral. Na coação tudo é dever e obediência ao dever, onde reside claramente o sentimento de sagrado, característico da imutabilidade das regras, pelas escolhas de sanção expiatórias, etc. Piaget reconhece que em muitas pessoas tal dominância permanece a vida toda, por exemplo, o legalismo exacerbado daqueles que somente sabem raciocinar moralmente a partir de um conjunto de regras previamente estabelecidas, clamando por punições severas (expiatórias) aos desvios às regras, sendo que na ausência de tais 'regras superiores' sentem-se abandonados, perdidos, sem rumo, desamparados. Já as relações de cooperação são simétricas, e regidas pela reciprocidade, ou seja, são relações constituintes, "que pedem, pois mútuos acordos entre os participantes, uma vez que as regras não são dadas de antemão. Somente com a cooperação, o desenvolvimento intelectual e moral pode ocorrer, pois ele exige que os sujeitos se descentrem para poder compreender o ponto de vista alheio. No que tange à moral, da cooperação derivam o respeito mútuo e a autonomia." [De La Taille, 2005]. Portanto, para Piaget, a origem do sentimento de obrigação, de dever, encontra-se nas relações de coação, enquanto que o bem, é produto das relações de cooperação.
Em resumo, Piaget concorda com Durkheim (e outros) na explicação do início do desenvolvimento moral da criança: a moral da heteronomia, o respeito às regras morais, etc. Porém tais sentimentos desaparecem da moral da autonomia quando emerge o respeito mútuo. Mas então, o que move alguém agir em função do respeito mútuo? Para Piaget, o respeito mútuo característico da cooperação é movido por um sentimento de necessidade. Se tenho absoluta certeza de que a = c, dado que a = b e b = c, não posso não admitir que a = c seja verdade. Portanto tal conclusão se faz necessária, sendo o desenvolvimento de tal capacidade de raciocínio lógico exatamente paralelo ao desenvolvimento moral. Trata-se do sentimento de que os produtos das deduções lógicas e morais não são dados a priori, mas são antes fruto de uma construção psicológica, que é paulatinamente conquistado através de sucessivas tomadas de consciência que "traduzem em estruturas o que era no início puro funcionamento". [De La Taille, 2005]. De acordo com Piaget: "Há no funcionamento das operações sensório-motoras uma busca de coerência e de organização: ao lado da incoerência de fato, própria aos procedimentos da inteligência elementar, devemos admitir a existência de um equilíbrio ideal, indefinível a título de estrutura, mas implicado neste funcionamento". No entanto, para Piaget "tal tomada de consciência não depende apenas de uma 'vontade' inata do sujeito [como alega Mises]. Antes é solicitada pelo meio social, contanto que as relações deste meio sejam de cooperação" (ênfase deste autor) [De La Taille, 2005].
Vygotsky
Resta portanto uma compreensão de como o meio social pode solicitar as sucessivas "tomadas de consciência" () do sujeito e mover, via sentimento de necessidade, sua moral da autonomia. Aqui nos deparamos com os trabalhos de Vygotsky. Grande fundador da escola soviética de psicologia histórico-cultural, Vygotsky era filho de uma próspera família judia, e nasceu em 1896, na Bielo-Rússia. Formou-se em Direito pela Universidade de Moscou em 1918, e durante o seu período acadêmico estudou simultaneamente Literatura e História na Universidade Popular de Shanyavskii. Apesar de sua formação em Direito, destacou-se à época por suas críticas literárias e análises do significado histórico e psicológico das obras de Arte. O seu interesse pela psicologia levou-o a uma leitura crítica de toda produção teórica de sua época, nomeadamente as teorias da gestalt, da psicanálise e o behaviorismo, além de dialogar criticamente com as ideias do próprio Piaget. Era necessário, na época, a construção de uma ponte que ligasse a psicologia "natural", mais quantitativa, à psicologia "mental", mais subjetiva (diretamente relacionado à uma das "pontes que Mises não viu"....). Assim, a partir das proposições teóricas do materialismo histórico propôs a reorganização da psicologia, antevendo a tendência de unificação das Ciências Humanas no que denominou como "psicologia cultural-histórica". Entre 1925 e 1934, Vygotsky reuniu em torno de si um grande grupo de jovens cientistas, que trabalhavam nas áreas da psicologia, neuropsicologia e distúrbios de aprendizagem e de linguagem. Simultaneamente, o interesse pela medicina levou Vygotsky a fazer o curso de medicina, primeiro no Instituto Médico, em Moscou, e posteriormente em Kharkov, onde também deu um curso de psicologia na Academia de Psiconeurologia da Ucrânia. Um pouco antes de sua morte, Vygotsky foi convidado para dirigir o departamento de psicologia no Instituto Soviético de Medicina Experimental. Morreu de tuberculose em 1934.
Formação Social da Mente
De acordo com A. R. Luria, na introdução do livro "Formação Social da Mente" de autoria de Vygotsky, ele "viu nos métodos e princípios do materialismo dialético a solução dos paradoxos científicos fundamentais com que se defrontavam seus contemporâneos. Um ponto central desse método é que todos os fenômenos sejam estudados como processos em movimento e em mudança. Em termos do objeto da psicologia, a tarefa do cientista seria a de reconstruir a origem e o curso do desenvolvimento do comportamento e da consciência." [Vygotsky, 1991]. Embora tal proposta geral já tivesse sido feita por outros pesquisadores, Vygotsky foi o primeiro a correlacioná-la com questões psicológicas concretas, abordando temas como o trabalho humano e o uso de instrumentos como meios pelos quais o homem transforma a natureza e, ao fazê-lo, transforma a si mesmo. Neste aspecto, disse: "o animal meramente usa a natureza externa, mudando-a pela sua simples presença; o homem, através de suas transformações, faz com que a natureza sirva a seus propósitos, dominando-a. Esta é a distinção final e essencial entre o homem e os outros animais". E segue A. R. Luria: "de maneira brilhante, Vygotsky estendeu esse conceito de mediação na interação homem-ambiente pelo uso de instrumentos, ao uso de signos. Os sistemas de signos (a linguaem, a escrita, o sistema de números) [hoje fortemente re-significados, influenciados e até subsidiados pela informática, pela mídia, etc], assim como o sistema de instrumentos, são criados pelas sociedades ao longo do curso da história humana e mudam a forma social e o nível de seu desenvolvimento cultural. Vygotsky acreditava que a internalização dos sistemas de signos produzidos culturalmente provoca transformações comportamentais e estabelece um elo de ligação entre as formas iniciais e tardias do desenvolvimento individual. Assim, para Vygotsky, (...) o mecanismo de mudança individual ao longo do desenvolvimento tem sua raiz na sociedade e na cultura.
A ambivalência de Piaget eVygotsky
Segundo Miranda & Bahia (2005), as semelhanças entre o pensamento de Piaget e Vygotsky são muitas, por exemplo:
- Perspectiva genética
- Abordagem dialética
- Visão não reducioinista
- Visão não dualista
- Importância da ação
- Primazia dos processos
- Foco nas mudanças qualitativas
Ambos compartilham/defendem: <<0>> Uma visão genética, pois a vertente desenvolvimentista é essencial para a compreensão dos processos mentais mais elaborados, classificações lógicas, ou operações simbólicas. <<0>> Uma visão dialética pois o desenvolvimento envolve uma interação contínua entre processos distintos mas interdependentes – assimilação/acomodação, interiorzação/exteriorização. São estes processos que levam a formas cada vez mais elaboradas de raciocínio lógico (Piaget) e de ação mediada (Vygotsky). <<0>> Uma visão não reducionista, pois a inteligência e a consciência humanas são formas de organização e adaptação ao meio que não são redutíveis a conjuntos de reflexos, nem às primeiras manifestações externas em que tais formas de organização muitas vezes se expressam. <<0>> Uma visão não dualista, onde o sujeito individual e o seu contexto físico e social não são dicotomias ou polaridades independentes e isoladas; são antes realidades interdependentes e relacionadas. <<0>> A importância da ação na gênese das diversas formas de inteligência e de todas as funções da consciência. Conhecer, defendeu Piaget, "não consiste em copiar o real, mas em agir sobre ele e transforma-lo". Igualmente, observou Vygotsky que "[n]o princípio está a ação. A palavra não foi o princípio --- a ação existia antes dela; a palavra está no fim do desenvolvimento, é o coroar da ação". <<0>> A primazia dos processos de desenvolvimento, não os seus produtos exteriores. Esta primazia foi uma das razões pelas quais nem Piaget nem Vygotsky nutriram simpatia pelas teses mentalistas, tais como percepção mental e processos de pensamento, como a psicologia cognitiva, os quais se atém a "medir" a quantidade de inteligencia e não em compreender quais inteligencias estão relacionadas a quais comportamentos e ações/decisões. <<0>> Interesse pelas mudanças qualitativas, por exemplo a atenção de Vygotsky ao aparecimento da memória mediada após a emergência da memória natural, tal como as operações formais após as operações concretas de Piaget. [Miranda & Bahia, 2005]
Assim, ambos os autores se complementam em diversos aspectos, no entanto, em relação à influência interna/externa para o desenvolvimento/comportameno/ação humanos, se opõe em um quesito fundamental: Piaget privilegia a maturação biológica (daí o termo psicologia genética); enquanto Vygotsky, privilegia o ambiente social. Porém, apesar de privilegiarem diferentes influências, deve-se enfatizar que nenhum dos dois nega ou recusa a importância ou a relevância do que o outro privilegia --- por questões epstemológicas e escopo de trabalho, seguiram linhas de raciocínio diferentes tão somente. Piaget, ao focar nos fatores internos, postula que o desenvolvimento segue uma seqüência de estágios. Vygotsky, ao salientar o ambiente social em que a criança nasceu, reconhece que, em se variando esse ambiente, o desenvolvimento também variará.
Fechando o link Piaget-Vigotsky
Em resumo, ambos concordam que, de fato, não se pode aceitar uma visão única e universal de desenvolvimento e comportamento humano, e que a interação, sempre dialética entre sujeito e objeto, entre indivíduo e meio, e seu processo construtivo, mediado, são fundamentais ao estabelecer as matizes que compõe as diferentes formas de olhar o desenvolvimento, o comportamento, e a ação humanos. Portanto, diferente da visão estreita de Mises, e completando o link Piaget-Vygotsky proposto, a internalização pelo indivíduo dos sistemas de signos produzidos cooperativamente e histórico-sócio-culturalmente, é feita através de mediações e abstrações reflexivas, com sucessivas "tomadas de consciência" do sujeito, que provocam transformações comportamentais, e movem, via sentimento de necessidade, sua moral da autonomia, estabelecendo assim o elo de ligação entre as formas iniciais e tardias do desenvolvimento individual, e sendo estas as bases fundantes do comportamento e ação humanos.
O legado de Piaget e Vygotsky
É evidente que muita coisa ainda precisa ser desenvolvida, complementada e elaborada na teoria e pesquisa destes autores. Atualmente uma segunda e terceira gerações de diversos autores tem dado continuidade, produzindo, pesquisando e acrescentando contribuições importantes ao legado destes dois grandes vultos das ciências humanas. Dentre estes, pode-se citar, em Piaget, por exemplo: Emília Ferreiro, psicóloga e pedagoga argentina, radicada no México, doutora pela Universidade de Genebra sob a orientação do próprio Piaget, além de diversos outros radicados no Brasil, p.e.: professor Yves de La Taille, fundador do Laboratório de Estudos do Desenvolvimento e Aprendizagem do Instituto de Psicologia da USP; professora Zelia Ramozzi-Chiarottino, Chefe do Laboratório de Epistemologia Genética e Reabilitação Psicosocial do Instituto de Psicologia da USP; professor Fernando Becker, da Faculdade de Educação da UFRGS; professora Ana Maria P. de Carvalho, Coordenadora do Laboratório de Pesquisa e Ensino de Física da USP, etc. Apesar da vida breve (morreu antes de completar 38 anos), Vygotsky foi autor de uma obra muito importante, a qual diversos pesquisadores deram sequência, dentre eles, seus dois importantes parceiros e contribuintes: Alexander Luria (1902 – 1977) e Alexei Nikolaievich Leontiev (1904-1979), sendo que atualmente as idéias de Vygotsky tem recebido renovado vigor e tem sido revistas muito intensamente por diversos pesquisadores, das mais diversas áreas do conhecimento, desde as ciências sociais, passando pela psicologia e neuropsicologia, até educação e economia, p.e.: professor James V. Wertsch da Universidade de Washington em St. Louis; professor Alex Kozulin, diretor de pesquisa do ICELP (International Center for the Enhancement of Learning Potential) em Jerusalém, Israel; o eminente professor Reuven Feuerstein -- criador da Teoria da modificabilidade cognitiva estrutural (MCE), da teoria da Experiência da Aprendizagem Mediada (MLE), e do Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI); além de, no Brasil, Marta Kohl de Oliveira e Teresa Cristina Rego, ambas professoras da Universidade de São Paulo.
Considerações Finais
Neste trabalho buscou-se elucidar algumas incoerências, omissões e distorções presentes na parte introdutória do tratado "Ação Humana" de Ludwing Von Mises, especificamente os capitulos 1 e 2 onde o autor elabora as bases de sua teoria praxeológica, nas quais o restante do tratado é baseado e fundamentado.
Primeiramente trata do conceito de "juizos de valor", onde fica demonstrado que a verdadeira objetividade é impossível, sendo que qualquer análise racional será sempre dependente do conjunto de valores aceitos durante o curso da análise, os quais serão sempre depedentes de um contexto, fatos que são desprezados por Mises em seu trabalho. Em seguida demonstra-se como Mises se fez omisso e tendencioso em seu tratado, ao alegar que o progresso material que impulsionou e acelerou a revolucão industrial foi resultado da "revolução ideológica doutrinária dos economistas liberais", sendo que o autor despreza totalmente a importância e relevância dos processos de colonização e mercantilização na consolidação de tais idéiais na Europa e sua imposição aos demais países colonizados. Desfaz-se na sequência a falácia da praxeologia, como prerequesito da ação humana, como defende o autor. Tais bases são firmadas em uma armadilha retórica cíclica e insustentável, onde o autor toma o modelo da teleologia para tentar se explicar, porém, visto que se baseia numa sequência causal linear, foi demonstrado que trata-se de um modelo circular falho e inconsistente.
Mises defende uma separação intransponível entre processos mentais e fisiológicos, e recusa terminantemente qualquer possibilidade que permita uma ponte de ligação entre estes dois extremos. No entanto, demonstrou-se que tal visão foi aceita e defendida até meados dos anos 50 (quando a primeira edição do tratado foi publicado), no entanto diversos estudos e pesquisas tem revelado que tal "ponte" existe e sempre existiu, e que tal revelação se mostrou uma grande quebra de paradigmas a partir dos anos 60, quando diversas descobertas científicas consolidaram e confirmaram a ligação e unicidade existente entre os extratos homem-cultura, vida-natureza, e física-química.
Para Mises o objetivo do "agente homem" é, a partir de suas ações, buscar a felicidade. No entanto --- como fica demonstrado no texto --- a felicidade não é um estado naturalmente objetivado por todas as pessoas, com aspirações ascendentes e uniformizadas ou, como diz Mises: "estado de perfeita felicidade e contentamento que toda atividade humana pretende alcançar". Incontáveis estudos tem repetidamente apontado que fortes laços afetivos e sensação de significado na vida são os fatores que mais influenciam positivamente a felicidade. Laços afetivos e significado na vida são constantemente colocados em prova por valores individualistas, lançados e apregoados pelos defensores do liberalismo, a partir por exemplo da teoria do valor subjetivo, cuja inconsistência e carência de sentido foram demonstrados no texto.
Trata ainda o presente texto do caráter explicitamente eugenista do autor de "Ação Humana", o que fica evidenciado ao se demonstrar passagens de seu texto, onde declarações de tal teor não "escapariam" como ato falho, ou como simples descuido, de caráter "observativo", ou mera "constatação histórica". Demonstra antes a pretenciosa e auto declarada "superioridade da raça branca" defendida pelo autor, acima de tudo e todos que se possam incluir fora desta categoria, ou seja: os demais povos, culturas, etnias, além de grupos e classes sociais.
Em relação ao caráter formal e apriorístico da praxeologia, demonstra o texto que Mises foi também omisso e tendencioso ao desqualificar, desconsiderar e até distorcer contribuições de importantes pesquisadores do comportamento humano acerca da influência, principalmente de Piaget e Vygotsky, acerca da internalização pelo indivíduo dos sistemas de signos produzidos cooperativamente e histórico-sócio-culturalmente, através de mediações e abstrações reflexivas, com sucessivas "tomadas de consciência" do sujeito, que provocam transformações comportamentais, e movem sua moral da autonomia, estabelecendo assim o elo de ligação entre as formas iniciais e tardias do desenvolvimento individual, e sendo estas as bases fundantes do comportamento e ação humanos.
Fica evidenciado que em seu tratado, Mises teceu uma análise epistemológica incompleta e – mesmo à sua época – omissa, visto que utilizou tendenciosamente conceitos e idéias vigentes a favor de uma visão apriorística unilateral, rígida e anacrônica acerca da ação humana.
Como disse Piaget: "Os fenômenos humanos são biológicos em suas raízes, sociais em seus fins e mentais em seus meios.".
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A este respeito ver o texto: “Objetividade e a Teoria do Conhecimento” de Liriam Sponholz, disponível em:
Os "moinhos satânicos" Dark satanic mills é uma expressão cunhada pelo poeta William Blake em seu poema “Jerusalem” para designar as primeiras fábricas criadas no contexto do desenvolvimento do sistema fabril capitalista, nos finais do século XVIII, sendo uma das primeiras e principais expressões da valorização do tempo de trabalho abstrato. Daí em diante o ritmo do trabalho é determinados pelo ritmo da máquina, tornando os indivíduos meros apêndices do seu funcionamento e potenciais supérfluos no sistema moderno produtor de mercadorias. [http://en.wikipedia.org/wiki/And_did_those_feet_in_ancient_time#Dark_Satanic_Mills]
Um dos maiores matemáticos da história recente, Von Neumann tinha uma memória fotográfica. Era capaz de recitar com exatidão, palávra por palávra livros inteiros que lia, mesmo que tivesse lido decadas antes. Acreditava que muito de seus pensamentos matemáticos ocorriam intuitivamente, e costumava dormir com um problema não resolvido, e ao acordar, sabia a resposta imediatamente. [http://en.wikipedia.org/wiki/John_von_Neumann#cite_note-TSRA-41]
As estimativas são evidenciadas a partir de datações por carbono 14 de artefatos de origem orgânica encontrados nos sítios arqueológicos. A partir da morte do ser vivo, a quantidade de C-14 existente em um tecido orgânico se dividirá pela metade a cada 5 730 anos. Cerca de 50 mil anos depois, esta quantidade começa a ser pequena demais para uma datação precisa. A precisão do método é de cerca de 3%, portanto, no caso de 6000 a.C. a margem seria de +/- 180 anos. Porém em vista das poucas evidências destes surgimentos, e de possíveis erros de datação, costuma-se considerar a margem de aproximadamente 1000 anos (entre 6000 e 5000 a.C
O termo "Crescente Fértil" foi criado pelo arqueólogo James Henry Breasted, da Universidade de Chicago, em referência ao fato de o arco formado pelas diferentes zonas assemelhar-se a uma Lua crescente. Trata-se de uma região do Oriente Médio compreendendo os atuais Israel, Cisjordânia e Líbano bem como partes da Jordânia, da Síria, do Iraque, do Egito, do sudeste da Turquia e sudoeste do Irã. Irrigada pelos rios Jordão, Eufrates, Tigre e Nilo, a região cobre uma superfície de cerca de 400 000 a 500 000 km², e estende-se das planícies aluviais do Nilo, continuando pela margem leste do Mediterrâneo, em torno do norte do deserto sírio e através da Península Arábica e da Mesopotâmia, até o Golfo Pérsico.
Não se deve confundir etnia com raça. A palavra etnia é usada muitas vezes erroneamente como um eufemismo para raça, ou como um sinônimo para grupo minoritário. A diferença reside no fato de que etnia compreende fatores culturais, como a religião, a língua, hábitos gastronómicos, hábitos no vestuário, outras tradições, etc., enquanto o termo raça --apesar de, ainda assim, incorreto-- compreenderia apenas fatores morfológicos, como cor de pele, constituição física, estatura, traço facial, etc.