Superando o dilema malthusiano([1]), o exemplo da catástrofe da ilha de Páscoa (ver post anterior) é o que melhor representa esta desconexão entre os valores de uma sociedade, e sua consequente marcha destrutiva. Além deste exemplo, Diamond ainda cita várias outras civilizações que por motivações e fatores similares acabaram entrando em colapso e se exterminaram, e cita alguns exemplos de sucesso (mesmo que parcial). Identifica também cinco elementos (controversos entre os estudiosos) os quais podem contribuir para o colapso de uma civilização, são eles: 1) crescimento populacional, 2) desmatamento e erosão seguido de secas e esgotamento de recursos, 3) conflitos e guerras, 4) mudanças climáticas, e por fim 5) a ambição e o egoismo dos poderosos.
Tais elementos ocorrem (conjuntamente ou não) em um grande lapso de tempo, mas, de qualquer forma, é imperativo pensar por quê uma sociedade toma decisões tão desastrosas como cortar todas as árvores das quais depende? Na tentativa de responder esta charada, Diamond identifica um fenômeno, em suas palavras "surpreendente": a incapacidade de tomar decisões em grupo por parte de sociedades ou outros grupos. E acrescenta que tal problema esta relacionado à incapacidade de tomar decisões idividuais.
Adentrando ainda mais nas causas das causas, o autor coloca alguns motivos que podem concorrer com a (correta) tomada de decisões individuais e coletivas. Primeiro o fato daquela civilização não ter tido experiências prévias com aqueles problemas ou eventos ou de não ter registrado suas causas e efeitos. Ou ainda, mesmo registrando, não identificar adequadamente a melhor alternativa, ou aquela que evitaria o colapso. Segundo, em função de "falsas analogias", ou seja, numa situação desconhecida tendemos a traçar analogias com situações familiares que podem ter funcionado em outra situação/ocasião/ambiente, mas se mostra desastrosa na atual. O terceiro motivo se refere à tendência (bias) muito lenta de uma média, que fica "escondida" em grandes e frequêntes variações (standard deviations) ([2]). O quarto motivo seria o que o autor chama de "comportamento racional", ou seja, alguns indivíduos ou grupos identificam ser correto (racional em seu ponto de vista) agir de determinada maneira em seu benefício, mesmo que tal comportamento seja nocivo para outros indivíduos ou grupos. E por fim, o último motivo seria o "comportamento irracional": podemos ignorar um mau status quo porque é favorecido por alguns valores profundamente arraigados aos quais nos aferramos. Pode-se afirmar seguramente que os dois últimos motivos são prontamente identificados e relacionados com conflitos e inversões de valores.
Em nossa sociedade atual, temos presenciado uma marcha evidente e escancarada em direção ao colapso. Para não delongar em discussões e argumentos, basta perguntar: o que será da humanidade quando menos de 5% da população mundial (os Estadosunidos) consomem 25% do total dos recursos energéticos disponíveis? O quê poderia acontecer se os 95% restantes "marchassem" no mesmo caminho? O fato alarmante é que muitos estão marchando([3])....
Nossa (imensa) vantagem em relação aos insulares da ilha de Páscoa é que temos uma enorme perspectiva histórica de fatos, tentativas e erros, desastres, colápsos, guerras e alguns acertos. Problemas continuam a ocorrer em todos os cantos de nosso planeta, relacionados às mais diferentes e conflituosas questões. Tais problemas podem estar relacionados a tomada de decisões dos indivíduos e grupos afetados, e podem ser direta ou indiretamente relacionados aos três primeiros motivos de tomada de decisão, acima elencados por Diamond. Porém, a tendência é que tais problemas sejam identificados com o tempo e tratados ad hoc, portanto, aos poucos eliminados ou minimizados, pois uma vez ocorrido, documentado e analisado o problema, a chance de sua reincidêicna será mínima.
Dessa forma, em termos abrangentes, e a longo prazo --- considerando os três primeiros motivos de tomada de decisões, acima elencados, os quais possuem um forte caráter determinístico inerente --- seria inaceitável dizer que não teríamos experiências prévias, ou que não registramos e interpretamos adequadamente tais experiências ou que traçamos falsas analogias, pois para todos estes possíveis motivos de "falta de decisões acertadas" teríamos condições, instrumentos e informações suficientes para evitar reincidências (ou ao menos minimiza-las). Visto que tais 'motivos' são inerentemente determinísticos, ou seja -- mesmo mantendo relação com ações humanas -- são passíveis de análise e interpretação de longo prazo, pois as tendências sofrem lentamente os efeitos, e somente uma interferência humana drástica e intênsa (p.e. uma bomba nuclear, ou uma guerra) poderia remover este caráter de tendência gradual. Portanto contanto que dados sejam coletados e análises sejam feitas, interpretações podem ser tiradas, e a tendência natural é o acerto, ou ao menos o erro calculado, em tomadas de decisão destes tipos. Portanto, novamente em termos macro, em nossa sociedade moderna, restará sempre a questão dos conflitos e inversões de valores, relacionadas aos dois últimos motivos elencados.
Lidar com esta questão não é tarefa fácil. A primeira coisa a ser apontada é que, no geral, as pessoas não agem de acordo com valores que elas não percebem, não compreendem ou não concordam, independente de qualquer noção objetiva de certo ou errado. Portanto, a princípio, deve-se procurar compreender como as pessoas agem e decidem, e ademais, os valores que motivaram suas ações e escolhas devem servir como informação, livre de qualquer análise ou julgamentos em termos morais. Em seguida, deve-se buscar, a partir da ética e da justiça num sentido mais amplo, analisar e corrigir possíveis contradições e incoerências de tais atos na busca da igualdade e do melhor modo de viver e conviver, isto é, a busca do melhor 'estilo' de vida, tanto na vida privada, particular e individual, quanto em público, sociedade e meio ambiente.
Certo, no entanto, aqui chegamos num ponto de inflexão (igualdade, e sua consequente relação com a liberdade e com o --- necessário ou não --- controle social) a partir do qual diferentes abordages podem ser defendidas ou refutadas. Aqui,vamos procurar defender um ponto de vista misto, lançando mão de argumentos e idéias provenientes de diversas frentes, porém sem deixar de tomar posição e criticar onde se faça necessário.
Para começar, é oportuno aqui lebrar o que disse Rousseau, em "O Contrato Social", de 1762:
Aristóteles, (...) tinha dito que os homens não são naturalmente iguais, e que uns nascem para escravos e outros para dominar. Aristóteles tinha razão, mas ele tomava o efeito pela causa. Todo homem nascido escravo nasce para escravo, nada é mais certo: os escravos tudo perdem em seus grilhões, inclusive o desejo de se livrarem deles; apreciam a servidão, como os companheiros de Ulisses estimavam o próprio embrutecimento. Portanto se há escravos por natureza, é porque houve escravos contra a natureza. A força constituiu os primeiros escravos, a covardia os perpetuou.
E continua desafiando:
Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja de toda força comum a pessoa e os bens de cada associado, e pela qual, cada um, unindo-se a todos, não obedeça portanto senão a si mesmo, e permaneça tão livre como anteriormente.
Eis o grande desafio lançado por Rousseau, ainda no século XVIII, sobre o qual muitos se debruçaram e continuam se debruçando, ou seja: o conflito entre o interesse particuar (de cada associado) e o coletivo (de todos os associados), sob a condição sine qua non de se manter a liberdade individual, ainda que associado ao coletivo. Porém, o que seria a "força comum"? Como evita-la? A força comum poderia ser cindida em dois tipos, ou categorias: primeiro, as forças da natureza, dependentes do acaso, que podem ou não ser previstas e evitadas, porém podem ser compreendidas, e até certa medida, seus efeitos podem ser minimizados ou controlados. A segunda categoria de força comum poderia incluir os desejos, valores e as consequentes ações individuais, que quando tomadas em somatória resultariam em um vetor, ou um fluxo que conduziria a todos e afetaria a cada um de diferentes maneiras e magnitudes. É claro que ambas categorias de força interagem, na medida em que as decisões afetam a natureza e esta por sua vez obriga diferentes tomadas de decisão. Esta abordagem é atraente e esta no cerne do pensamento formulado por Ludwing Von Mises, a partir das chamadas leis praxeológicas ([4]), que são a base de todas as vertentes neoliberais que se propagam atualmente pelo planeta.
[1] Proposto por Thomas Malthus em 1798, defende a idéia de que a taxa de crescimento populacional supera a taxa de crescimento de recursos naturais, até atingir um limite intransponível.
[2] Por exemplo, o aquecimento global é da ordem de 0,163 ± 0,046 °C/ década, [ CRU/UKMO (Brohan et al., 2006) ]. Portanto, olhando retrospectivamente, hoje sabemos que a temperatura global tem subido lentamente ans últimas décadas, porém se tomarmos somente 5 anos por exemplo (dependendo da tendência) pode-se inferir erroneamente que a temperatura esta caindo.
[3] Mesmo que a maioria ainda permaneça -- e fatalmente permanecerá -- excluída de qualquer benefício ou vantagem que possa (ou pudesse) ser obtidos no percurso desta "marcha", até que se atinja um limite intransponível.
[4] O termo praxeologia foi empregado pela primeira vez 1890 por Espinas, ver seu artigo "Les orígenes de la technologie!", Revue philosophique, p.114-115, ano XV, vol. 30, e seu livro publicado em Paris em 1897 com o mesmo titulo. Praxeologia: do grego praxis — ação, habito, prática — e logia - doutrina, teoria, ciência. É a ciência ou teoria geral da ação humana. Mises definiu ação como "manifestação da vontade humana": ação como sendo um "comportamento propositado". A praxeologia a partir deste conceito apriorístico da categoria ação analisa as implicações plenas de todas as ações. A praxeologia busca conhecimento que seja válido sempre que as condições correspondam exatamente àquelas consideradas na hipótese teórica. Sua afirmação e sua proposição não decorrem da experiência: antecedem qualquer compreensão dos fatos históricos. (Extraído de "Mises Made Easier", Percy L. Greaves Jr., Nova Iorque, Free Market. Books, 1974)
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