quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Ilha de Pascoa

No livro "Colapso: como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso" do biólogo estadunidense Jared Diamond, são investigadas civilizações do último milênio, onde o autor busca identificar por que umas se extinguiram enquanto outras prosperaram. Foca sua análise principamente em causas ambientais (mudança climática causada pelo homem, acúmulo de lixo químico, falta de energia e superutilização da capacidade de fotossíntese), mais do que causas políticas e sociais mas também aborda guerras de povos, comércio e culturas. O livro é muito interessante, porém por vezes, um tanto monótono e simplista em determinadas análises e por outras até mesmo parcial... De qualquer forma, cita-se aqui o livro para iniciar este texto ao ousar um paralelo muito interessante e que pode trazer algum calor (ou luz, espera-se) para o que o título deste texto possa suscitar.

A ilha de Pascoa ([1]) é considerada a extensão de terra mais isolada do mundo. Fica situada a mais de 3600 km (de oceano pacífico) do Chile e a mais de 2000 km das primeiras ilhas Polinésias. Dizem os estudiosos que esta ilha foi habitada pela primeira vez perto de 900 dc, por povos das ilhas polinésias, utilizando as pequenas ilhas do caminho como "trampolim", o que pode ter facilitado o "traslado" ([2]). Ao chegar, estes primeiros habitantes viram um verdadeiro paraíso subtropical, ocupado há milhões de anos por palmeiras gigantescas, florestas densas e uma grande variedade de aves marinhas e terrestres. A população da ilha de Pascoa em seus tempos áureos chegou a atingir mais de 20 mil insulares. Hoje, seus poucos descententes ([3]) herdaram matagais ressecados, ratos e insetos.
 
Diamond segue sua análise mostrando o provável percurso desta civilização, utilizando as mais diversas informações e dados criteriosamente coletados e analisados por cientistas e pesquisadores, que vão desde aneis de troncos de árvores milenares até fezes de ratos.... Maiores detalhes de todas estas técnicas podem ser vistas na leitura do livro.

A primeira imagem que vem a nossa mente ao ouvir falar sobre a Ilha de Páscoa são as impressionantes estátuas, os moais, que foram esculpidas a partir das pedras do vulcão Rano Raraku, dispostas em diversos santuários ao redor da ilha. Estas estátuas chegam a pesar 80 toneladas e 7 metros de altura.  Em vista desta imponência, chegou-se a afirmar que eram obra de forças extraterrestres. Hoje, depois de muita pesquisa e esforço dedutivo, sabe-se que a história foi bem diferente....
Duas perguntas imediatamente emergem:

>> O quê causou tal destruição dos recursos naturais da ilha, que no início eram tão abundantes?
>> E por qual motivo tais estátuas eram construídas?

Ao todo, 12 clãs se espalhavam pela Ilha, sendo que cada um possuia seu lider e suas plataformas cerimoniais (os ahus) onde os moais eram erguidos. Por muitos anos a ilha experimentou séculos de progresso com plantações em expansão e população crescendo vertiginosamente. Um dos recusros mais importantes era a madeira extraida das enormes árvores que se espalhavam pela ilha. A madeira destas árvores era usada para construção dos botes, como combustível, para construção de templos e moradias e também para uma atividade --- inicialmente marginal, a locomoção das enormes estátuas moais pelos terrenos irregulares da ilha, desde o local onde eram extraídas (as encostas do vulcão) até onde seriam erguidas (as plataformas ahus) através de sistemas de rolagem com troncos de madeira e cipós.

Não se sabe ao certo o que levou o primeiro clã a esculpir um moai, mas as evidências provam que a medida que os recursos naturais iam se exaurindo, os clãs foram intensificando a construção e locomoção de moais pela ilha, esculpindo estátuas cada vez maiores. Os primeiros moais, que teriam sido feitos por volta de 1100, tinham entre 2 e 3 metros de altura. Já o maior que chegou a ser posto sobre um altar, esculpido cerca de 300 anos depois, tem 10 metros e pesa 82 toneladas. Aos pés do vulcão Rano Raraku, onde todos os moais eram construídos, há uma estátua com mais de 15 metros e cerca de 270 toneladas, que não chegou a ser terminada.

Esta corrida "moaista" era levada a cabo a revelia de qualquer outro interesse ou necessidade primordial dos insulares, e no seu ápice, um quarto dos alimentos de Rapa Nui era consumido no processo de produção e transporte dos moais - atividades que envolviam entre 50 e 500 pessoas de cada vez. Conforme as enormes palmeiras eram extraidas uma série de sérios problemas ambientais e sociais começaram a emergir. Sem a proteção natural das raizes e árvores dos entornos, a terra de cultivo foi ficando mais exposta ao sol, vento e chuva, o que ocasionou fortes erosões de solo. Vilas inteiras foram sendo abandonados, pois em seu solo nada mais brotava. Este processo entrou numa aspiral febril, intensificando cada vez mais os conflitos e disputas por terras cultiváveis entre os clãs que inadvertidamente continuavam a provar seu poder e superioridade construindo moais cada vez maiores.

Aqui mais uma pergunta emerge: porquê, cargas d'água, estes clãs simplesmente não entraram num acordo coletivo e interromperam esta marcha destrutiva absurda? Olhando de nossa privilegiada perspectiva histórica é relativamente fácil (depois de pesquisar e reunir as informações) identificar que esta marhca para o colápso foi trilhada de forma absurdamente doentia por estes insulares, no entanto, eles, à sua época não puderam enxergar o colapso eminente pois uma enorme inversão de valores estava em evidência em sua sociedade, sendo que seus habitantes se viam presos a tais valores como que por correntes e grilhões. Apesar de não haver evidências da adoção de escravos, em vista da quantidade de moais, e da difusão dos mesmos pela ilha ([4]), é certo que os chefes de cada clã conseguiam o apoio incondicional de seus liderados, que como zumbis alienados se colocavam a seu serviço em sua louca empreitada por mais e maiores moais.

É evidente e inevitável que lendo esta história de desastre ecológico e social da ilha de Páscoa, imediatamente fazemos o paralelo com os dias atuais, em nossa "aldeia global": a ânsia por crescimento a todo custo, a busca incessante por mais e mais mercados, oportunidades de negócio e de investimentos, as disputas comerciais, conflitos armados, e etc. Tais paralelos são assombrosos: graças ao comércio internacional, à information technology, aviões a jato, telecomunicações em geral, todos os países da terra compartilham recursos e afetam uns aos outros, alguns impondo dominação, outros sendo dominados, mas inevitavelmente conectados. Mediante a reserva cuidadosa de todas as proporções, pode-se afirmar que assim também aconteceu com os 12 clãs da ilha de Páscoa. A ilha estava tão isolada no oceano quanto hoje estamos no espaço, e tal como nós, não tinham a quem recorrer em busca de ajuda([5]).




[1] O nome é uma referência ao domingo de Páscoa de 1722, ano em que foi (re)descoberta pelos Europeus.
[2] Vale anotar que os polinésios foram os verdadeiros primeiros conquistadores dos mares, pois mais de 1000 anos antes dos Europeus, no século XVI, chegarem pela primeira vez ao Pacífico, os polinésios já exploravam as milhares de ilhas existentes nas suas águas utilizando canoas a vela feitas com troncos de madeira maciça escavados, verdadeiras obras primas de engenharia, até masmo para padrões atuais.
[3] A população da ilha no censo de 2002 foi de 3.791 habitantes
[4] Espalhados pelos territórios da ilha, foram identificadas cerca de 300 plataformas cerimoniais (ahus) sobre as quais os moais eram erguidos. Algumas não tinham moais, mas cerca de 113 tinham (de 1 a 15 por ahu). Os moais eram erguidos de forma que sua face frontal ficasse voltada para a terra (e não para o mar) "vigiando" o território de seu clã. Ao todo foram identificados 887 moais pela ilha
[5] Quem sabe ainda possamos pedir ajuda aos extraterrestres? Talvez seja nossa última chance.....


Nenhum comentário:

Postar um comentário